Publicação Contínua
Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

Todo o conteúdo do periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma

Licença Creative Commons

ARTIGOS ORIGINAIS


Acesso aberto Revisado por pares
0
Visualização

Morte precoce, morbidade e farmacoterapia em prematuros extremos e muito prematuros em unidades de terapia intensiva neonatal

Trícia Silva Ferreira1; Joice Silva Machado2; Daiane Borges Queiroz3; Renart Santos Costa4; Verônica Cheles Vieira5;Raquel Cristina Gomes Lima6; Danielle Souto de Medeiros7

DOI: 10.1590/1806-9304202300000288 e20210288

RESUMO

OBJETIVOS: avaliar a evolução dos prematuros extremos e muito prematuros internados em unidades de terapia intensiva neonatais, quanto ao uso de suporte ventilatório e de medicamentos, óbito, sobrevida e viabilidade.
MÉTODOS: estudo de coorte não concorrente, com 163 recém-nascidos muito prematuros e extremos internados em três unidades de terapia intensiva neonatais, durante 2016 e 2017. Realizou-se análise descritiva dos dados obtidos dos prontuários. Os desfechos estudados foram o uso de suporte ventilatório, morbidades, uso de medicamentos, óbito e causas de óbito. Foi construída curva de sobrevivência e delimitado um limite de viabilidade.
RESULTADOS: no estudo, 28,2% eram extremos e 71,8% muito prematuros. Nessa ordem de subgrupos, a necessidade de ventilação mecânica foi maior para os extremos (65,2% e 41,0%) e o principal diagnóstico foi sepse precoce (78,6% e 82,6).Medicamentos off-label (60,5% e 47,9%) e sem-licença (25,3% e 29,0%) foramutilizados. A maioria dos óbitos (57,8%) ocorreu entre os extremos, principalmente por choque séptico. A sobrevivência foi menor para as menores idades gestacionais e o limite de viabilidade ficou entre 26 e 27 semanas.
CONCLUSÕES: as principais morbidades foram do sistema respiratório, com alto uso de medicamentos off-label e sem licença. Extremos tiveram maior demanda de cuidados intensivos além de necessitarem de mais medicamentos e evoluírem mais ao óbito.

Palavras-chave: Farmacoloepidemiologia, Recém-nascido prematuro, Cuidados críticos, Unidades de terapia intensiva neonatal

ABSTRACT

OBJECTIVES: to evaluate the evolution of extremely preterm and very preterm infants admitted to neonatal intensive care units, regarding the use of ventilatory support, morbidities, medication use, death, survival and viability.
METHODS: a non-concurrent cohort study, with 163 very premature and extreme newborns hospitalized in three neonatal intensive care units, during 2016 and 2017. A descriptive analysis of the data obtained from the medical records was performed. The outcomes studied were the use of ventilatory support, morbidities, medication use, death and causes of death. A survival curve was constructed and a viability limit was defined.
RESULTS: in the study, 28.2% were extreme and 71.8% were very premature. In this order of subgroups, the need for mechanical ventilation was higher for the extremes (65.2% and 41.0%) and the main diagnosis was early sepsis (78.6% and 82.6). Off-label (60.5% and 47.9%) and off-license (25.3% and 29.0%) medications were used. Most deaths (57.8%) occurred between the extremes, mainly due to septic shock. Survival was lower for the lowest gestational ages and the limit of viability was between 26 and 27 weeks.
CONCLUSIONS: the main morbidities were from the respiratory system, with high use of off-label and unlicensed medications. Extremes had a greater demand for intensive care in addition to needing more drugs and progressing more to death.

Keywords: Pharmacoepidemiology, Extremely premature infant, Critical care, Intensive care units, neonatal

Introdução

Globalmente, a prematuridade é a principal causa de morte em crianças menores de cinco anos. O mesmo ocorre no Brasil, com concentração de mais de 60% dos óbitos infantis no período neonatal.1

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define o nascimento prematuro como aquele que ocorre antes de completar 37 semanas de gestação.2 Apesar dos prematuros, no geral, disporem de complicações típicas desta população, alguns grupos são mais vulneráveis que outros. Em metanálise realizada em países de alta renda, no período de 2000 a 2017, observou-se grande variação da taxa de sobrevida, sendo baixa para a idade gestacional (IG) menor que 25 semanas, próxima a 25,0%. Já a partir das 27 semanas, a sobrevida aumentou para 90,0%, demonstrando que a sobrevida aumenta com a IG.3 Nesse contexto, entende-se que os muito prematuros (28 a menos de 32 semanas) e os prematuros extremos (menos de 28 semanas) são especialmente vulneráveis devido à imaturidade fisiológica notadamente acentuada nestes grupos.4

Além disso, a prematuridade extrema também revela maior associação com complicações neonatais e piores desfechos hospitalares, em comparação com os prematuros moderados (32 a menos de 34 semanas) e tardios (34 a menos de 37 semanas), refletindo em altas taxas de mortalidade precoce, bem como de internação, cirurgias e uso de medicamentos.5 As diversas morbidades associadas, além de interferir na resposta aos cuidados intensivos, tornam o tratamento farmacológico dessa população bastante desafiador, pois a maioria dos medicamentos rotineiramente utilizados tem sua prescrição baseada nos resultados de pesquisas em adultos, que diferem das crianças em diversos aspectos, inclusive na resposta farmacológica.6 Diante disso, o tratamento medicamentoso dessa população é majoritariamente empírico, caracterizando-se pelo uso recorrente de medicamentos off-label e não-licenciados. Considera-se como medicamentos off-label aqueles cuja idade, indicação ou via de administração divergem do autorizado pelo órgão sanitário competente, neste caso o Food and Drug Administration (FDA). Por sua vez, foram classificados como não licenciados os medicamentos sem registro, os contraindicados em neonatologia (aqueles que não apresentaram segurança ou eficácia) assim como as preparações magistrais (aquelas manipuladas em farmácia) a partir da prescrição médica, ou modificados por profissionais fora do que é regulamentado pela FDA.7

Todas essas características indicam que os componentes do cuidado intensivo durante a internação dos prematuros são determinantes para os desfechos desses pacientes. Este estudo tem como objetivo descrever a demanda por cuidados intensivos, as principais morbidades, o uso de medicamentos, as causas de óbito e a viabilidade entre prematuros extremos e muito prematuros, além de trazer informações que possam contribuir para a prática clínica baseada em evidências.

Métodos

Trata-se de um estudo de coorte, de base hospitalar, que faz parte da pesquisa "Coorte Nascer Prematuro - Sobrevida e morbidade em prematuros de Unidades de Terapia Intensiva Neonatais (UTIN) do município de Vitória da Conquista - BA: um estudo de coorte não concorrente". As unidades hospitalares estudadas serviam de campo de estágio para o programa de residência médica em pediatria e neonatologia e possuíam protocolos das práticas clínicas semelhantes.

Foram incluídos no estudo todos os prematuros extremos e muito prematuros internados nas UTIN no período de 01 de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 2017. A população foi acompanhada desde o dia da admissão até 27 dias de vida.

A amostra para o estudo original foi obtida por conveniência (n=400). Entretanto, o menor tamanho amostral necessário para representar a população de prematuros da região foi estimado em 384, considerando os seguintes parâmetros: tamanho da população infinito (dado que não é possível estimar o total de prematuros que necessitariam de assistência intensiva neonatal), frequência esperada de 50% (considerando os múltiplos desfechos avaliados), precisão de 5% e intervalo de confiança de 95%. Para análise deste artigo, foi feito um recorte, utilizando como amostra os prematuros com IG entre 22 a menos de 32 semanas. Ao final, permaneceram neste estudo 163 prematuros.

Os dados foram coletados através da análise dos prontuários dos prematuros, armazenados no serviço de arquivo médico e estatística dos hospitais. Foi utilizado como critério de exclusão a existência de anomalias congênitas maiores (como: cardiopatias congênitas complexas, atresias do trato gastrointestinal, defeitos da parede abdominal, hidrocefalia, encefalocele e hérnia diafragmática).

O instrumento utilizado para a realização das coletas foi um questionário adaptado do Inquérito Nacional Nascer no Brasil. 8 Pesquisadores voluntários da área de saúde sob supervisão de neonatologistas foram responsáveis pelas coletas dos dados, sendo utilizado questionário digital através de tablets com o software Kobo Toolbox 1.4.8®. A coleta de dados do campo principal ocorreu entre junho de 2018 e maio de 2019.

A variável dependente foi a evolução dos prematuros. Os desfechos considerados foram a demanda por cuidados intensivos, as principais morbidades e o uso de medicamentos. Avaliou-se, também, a ocorrência de óbitos nessa população, e o período em que ocorreram. Foram calculadas ainda as curvas de sobrevivência e de viabilidade para os grupos avaliados.

Para a obtenção da IG foi utilizada de preferência a data da última menstruação, seguida pela ultrassonografia precoce. Na impossibilidade desses achados, utilizou-se a avaliação de sinais físicos e neurológicos dos recém-nascidos, por meio das escalas Capurro ou New Ballard.

As variáveis analisadas foram: sexo (masculino; feminino), peso ao nascer (baixo peso; muito baixo peso e extremo baixo peso), Apgar do 5º minuto (≥ 7; < 7), via de parto (vaginal; cesárea), uso de surfactante na sala de parto (não; sim), uso de surfactante na UTI (não; sim), manobras de reanimação na sala de parto (não; apenas ventilação com pressão positiva (VPP); reanimação avançada: ventilação com pressão positiva acompanhada de massagem cardíaca e/ou uso de drogas), tempo de ventilação mecânica durante o internamento (nenhum dia; um a cinco dias; seis dias e mais), cidade de origem materna (Vitória da Conquista; outra cidade) e local de nascimento e de internamento (mesmo hospital; hospitais diferentes, na mesma cidade; nascimento em outra cidade ou em trânsito). Os neonatos com escore z do peso de nascimento inferior a -1,29 (percentil 10%), definido de acordo com as curvas Intergrowth-21, foram considerados como pequenos para a idade gestacional, categorizados em sim ou não.9

As principais doenças desenvolvidas ao longo do período de 27 dias foram também descritas, segundo os subgrupos de prematuros: apneia, desconforto respiratório precoce, enterocolite necrotizante, icterícia neonatal, sepse precoce, sepse tardia e síndrome do desconforto respiratório (SDR) ou doença da membrana hialina (DMH).

O uso de medicamentos foi obtido para o período de internamento na UTIN, de acordo ao subgrupo de IG. Cada especialidade farmacêutica foi registrada pelo nome genérico, forma farmacêutica e via de administração. Além das especialidades (medicamentos) foram registradas todas as prescrições de doses diárias, obtendo como número de análise o número de prescrições totais.A classificação farmacológica foi realizada conforme a classificação Anatomical Therapeutic Chemical (ATC), preconizada pela OMS.2 Para o presente trabalho, utilizaram-se as classificações dos medicamentos relativas aos níveis 1 (anatômico) e 2 (terapêutico). Os medicamentos também foram classificados em off-label e sem licença para a população de acordo com Costa et al. ,7 através da base de dados internacional Drug Dex-Micromedex®.10

A ocorrência de óbito para prematuros extremos e muito prematuros, durante o período neonatal (primeiros 27 dias de vida) foi descrita e categorizada em não e sim. Além disso, os óbitos foram distribuídos conforme o tempo de ocorrência após o nascimento (período neonatal precoce se ocorressem com seis dias de vida ou menos, e neonatal tardio caso ocorressem de sete a 27 dias). As principais causas de óbito também foram descritas: choque séptico, falência múltipla de órgãos, síndrome do desconforto respiratório (ou doença da membrana hialina), insuficiência renal aguda e hemorragia pulmonar.

Nesta pesquisa, o tempo de início de seguimento foi a data de nascimento de cada paciente e o tempo de acompanhamento foi até o 27º dia de vida ou até a ocorrência do óbito. Como o acompanhamento era diário, padronizou-se ½ período para os óbitos ocorridos em menos de 24 horas de vida. Dessa forma, os pacientes foram acompanhados por tempos diferentes, sendo o óbito o evento de censura. Foi realizada curva de sobrevivência para demonstrar o tempo de sobrevida, durante o acompanhamento, dos subgrupos de IG abaixo de 32 semanas: 23 a 25 semanas; 26 a 27 semanas; 28 a 29 semanas e 30 a 31 semanas e calculado o teste de Log Rank entre esses subgrupos e o óbito neonatal. A avaliação do limite de viabilidade corresponde à idade gestacional na qual o recém-nascido apresenta 50% ou mais de chance de sobrevivência fora do útero materno, e para esta avaliação também foram utilizados os subgrupos descritos anteriormente.11

Primeiramente, realizou-se análise descritiva das variáveis por meio de frequências absolutas e relativas. Para descrever as doenças presentes nesta população no período neonatal, calculou-se a incidência de cada uma delas. Para todas estas variáveis citadas, as diferenças entre os dois grupos de idades gestacionais foram comparadas pelo teste qui quadrado de Pearson ou pelo teste exato de Fisher. Quanto à avaliação do uso de medicamentos (total, off-label e sem licença), foram realizadas análises descritivas dos dados através de distribuição de frequência simples, utilizando o total de prescrições de doses realizadas como unidade de análise. Para a construção da curva de sobrevivência, utilizou-se o método não paramétrico de Kaplan-Meier, e, ao apresentar a viabilidade, construiu-se um gráfico de barras com os subgrupos de IG menor que 32 semanas. O programa Stata, versão 15.0 (Stata Corporation, College Station, USA) foi utilizado para a análise dos dados.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos do Instituto Multidisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia (CAAE:79450717.4.0000.5556).

Resultados

Do total de 163 prematuros, a idade gestacional variou de 23 semanas a menos de 32semanas, com 46 (28,2%) prematuros extremos e 117 (71,8%) muito prematuros com diferença estatisticamente significativa entre os grupos. Entre os prematuros extremos, mais da metade foi do sexo feminino (52,2%) e apresentou extremo baixo peso ao nascer (65,2%). A classificação como pequeno para a idade gestacional neste subgrupo foi observada em 12,2%; o Apgar do 5º minuto foi <7 em 22,7%, e 60,9% nasceu via parto vaginal. Observou-se que houve uso de surfactante na sala de parto (39,5%), porém o uso deste esteve mais presente na UTIN (72,7%). Manobra de reanimação apenas com VPP foi utilizada em 52,2%, enquanto 21,7% necessitou de reanimação avançada na sala de parto. Para as duas últimas variáveis, observou-se diferença significante entre os grupos. O percentual de pacientes que necessitaram ou não de ventilação mecânica foi quase equivalente entre os que não utilizaram (34,8%), os que utilizaram por 1 a 5 dias (32,6%) e os que utilizaram por tempo igual ou maior que 6 dias (32,6%) (Tabela 1).
 



Entre os muito prematuros, a maior parte da população foi do sexo masculino (51,3%), 18,8% apresentou extremo baixo peso ao nascer, e 22,2% foi classificada como pequeno para idade gestacional. Neste subgrupo, o Apgar do 5º minuto foi <7 para 19,8%, e 50,9% nasceu via parto vaginal. Observou-se que houve menor uso de surfactante na sala de parto (32,4%) e na UTIN (49,1%) neste subgrupo. A VPP como manobra de reanimação foi realizada em 42,7%, enquanto apenas 7,7% necessitou de reanimação avançada na sala de parto. O tempo de uso de ventilação mecânica se distribuiu como: 59,0% não utilizou, 23,1% utilizou entre um e cinco dias e 17,9% utilizou por seis dias ou mais. A análise estatística revelou diferença significativa (p<0,05) entre os subgrupos de prematuros para algumas variáveis de interesse: peso ao nascer, uso de surfactante na UTI, manobras de reanimação na sala de parto, e uso de ventilação mecânica (Tabela 1).

A cidade de origem materna foi diferente da cidade de internamento para 58,7% dos prematuros extremos e 46,2% dos muito prematuros. Já em relação à cidade de ocorrência do parto, foi observado que 10,9% dos prematuros extremos e 6,9% dos muito prematuros nasceram em outra cidade ou em trânsito, e 17,4% e 17,9%, respectivamente, nasceram na mesma cidade do internamento, mas em hospitais diferentes (Tabela 1).

Para os prematuros extremos, os principais diagnósticos durante o tempo de internação foram: sepse precoce (78,6%), desconforto respiratório precoce (67,4%), sendo que 53,0% correspondeu a SDR. Para os muito prematuros, os principais diagnósticos foram: desconforto respiratório precoce (86,3%), sendo que 65,2% foi decorrente a SDR e sepse precoce em 82,6%. Observou-se diferença estatisticamente significativa para as incidências de desconforto respiratório precoce (67,4% nos prematuros extremos e 86,3% nos muito prematuros); e de enterocolite necrotizante, com incidência entre os extremos e muito prematuros de 8,7% e 0,8%, respectivamente (Tabela 1).

Foram prescritos 9.845 doses de medicamentos, totalizando 85 tipos diferentes de drogas. Para os prematuros extremos foram feitas 2.508 prescrições de doses, das quais 1.518 (60,5%) eram off-label e 634 (25,3%) eram sem-licença. Para os muito prematuros foram prescritas 7.337 doses, das quais 3.518 (47,9%) eram off-label e 2.125 (29,0%) eram sem licença.

Para o primeiro grupo, as especialidades farmacêuticas mais utilizadas foram anti-infecciosos de uso sistêmico (41,1%). Dentre os off-label também predominaram os anti-infecciosos para uso sistêmico (64,1%). O grupo mais utilizado de medicamentos sem licença foram os do sistema nervoso (93,9%) (Tabela 2).
 



Para o segundo grupo, as classes mais utilizadas foram novamente os anti-infecciosos de uso sistêmicos (35,2%). Dentre os off-label, os muito prematuros tiveram uso semelhante dos extremos, os mais utilizados foram os anti-infecciosos de uso sistêmico (64,7%). Já dentre os medicamentos sem licença, os mais utilizados foram os voltados para o sistema nervoso (93,5%) (Tabela 2).

Dentro da população estudada, ocorreram 26 (56,5%) óbitos entre os prematuros extremos e 19 (16,2%) entre os muito prematuros, com diferença estatisticamente significativa entre os dois subgrupos. Para os extremos, a maioria dos óbitos (73,1%) ocorreu no período neonatal precoce, enquanto para os muito prematuros, a maior parte (52,6%) evoluiu para óbito no período neonatal tardio (Tabela 3).
 



Quanto às causas de óbito, as principais entre os prematuros extremos foram Choque Séptico (42,3%), Falência Múltipla de Órgãos e Síndrome do Desconforto Respiratório (ou Doença da Membrana Hialina), ambos com 15,4% dos óbitos. No subgrupo dos muito prematuros, a principal causa de óbito também foi choque séptico (47,4%), seguido de Insuficiência Renal Aguda (15,8%) (Figura 1).
 



A sobrevivência ao longo dos dias foi menor para as menores IG, com maiores decréscimos no período neonatal precoce (Figura 2A). Ao avaliar a probabilidade de sobrevida para cada subgrupo de IG, observou-se que o limite de viabilidade da população estudada foi no subgrupo 26-27 semanas (Figura 2B).
 



Discussão

Neste estudo, os cuidados intensivos aos prematuros extremos e muito prematuros foram devidos, principalmente, às altas incidências de morbidades relacionadas ao sistema respiratório e sepse precoce para ambos os grupos, e esses apresentaram um alto uso de medicamentos off-label e sem licença. Uma maior proporção da ocorrência de óbitos foi observada no grupo dos prematuros extremos, causado principalmente por Choque Séptico, com maiores decréscimos na sobrevida no período neonatal precoce. A viabilidade na população de prematuros estudada ficou entre 26 e 27 semanas de IG.

A alta demanda de manobras de reanimação demonstrada neste estudo é maior quanto menor for a IG, devido a imaturidade fisiológica observada em recém nascidos prematuros, principalmente naqueles mais precoces.12 Uma coorte realizada em Brasília-DF mostrou resultados acima dos observados no estudo atual, com prevalência de necessidade de qualquer manobra de reanimação em 89,8% dos prematuros extremos,13 ressalvando-se que essa elevação se deveu, provavelmente, às diferenças na complexidade dos serviços. Enquanto a pesquisa de Brasília foi realizada em apenas um serviço, com maternidade e UTIN no mesmo local, a atual envolveu dois hospitais de referências regionais que recebem muitos bebês de cidades vizinhas, com pouco acesso a profissionais especializados em neonatologia para reanimação na sala de parto.

A ventilação mecânica é uma intervenção potencialmente salvadora para paciente críticos, mas está também associada a complicações graves, isso em parte devido ao fato de que é administrada em pacientes com alto risco de comprometimento pulmonar ou cardíaco.14 Neste estudo, a necessidade de ventilação mecânica foi significativamente maior entre os prematuros extremos, com pelo menos cinco dias de uso em 32,6%. Como ferramenta terapêutica, além de possibilitar respirações mecânicas, esta intervenção protege as vias aéreas, diminui o trabalho muscular respiratório, permite a aspiração de secreções, entre outros benefícios.15 Por outro lado, recente revisão sistemática demonstrou que o uso de ventilação mecânica tem associação com diversos efeitos deletérios na função pulmonar de prematuros, incluindo broncodisplasia pulmonar, hemorragia pulmonar e pneumonia.16

A prematuridade é considerada um fator de risco para receber um número maior de medicamentos por paciente.7 O maior uso de medicamentos pode acarretar maiores riscos, como a toxicidade, efeitos adversos e interação medicamentosa. Neste estudo verificou-se elevado uso de medicamentos off-label e não licenciados, provavelmente, em decorrência da gravidade clínica da população estudada e do tempo de permanência nas UTIN. No entanto, segundo a Academia Americana de Pediatria, a tomada de decisão terapêutica deve ser sempre orientada pelas melhores evidências científicas disponíveis e pelo benefício individual para o paciente, de forma que muitas vezes os medicamentos off-label são a terapia mais eficaz disponível, visto que existem poucos estudos padrão-ouro nessa população.17

Os anti-infecciosos de uso sistêmico foram o grupo de off-label mais utilizado, tanto em extremos quanto em muito prematuros, com prescrição majoritária (82,4%) de antibacterianos. Esse uso condiz com a alta incidência de sepse neonatal precoce, pois, o trabalho de parto prematuro espontâneo pode favorecer a colonização ascendente que gera a infecção.18 E também, do maior risco para sepse neonatal tardia, que frequentemente, associa-se com a utilização de dispositivos invasivos, como cateter venoso central, ventilação mecânica e maior tempo de hospitalização.19 Além disso, existe a dificuldade de se estimar os critérios clínicos para o diagnóstico de sepse nesses recém nascidos, devido à instabilidade clínica, imaturidade anatômica e funcional, o que pode acarretar a utilização empírica de antimicrobianos nessa população,baseada na susceptibilidade.15

A cafeína foi o medicamento sem licença mais utilizado nesta coorte. Pertence ao grupo dos psicoanaléticos, que são bons estimulantes respiratórios utilizados no tratamento e prevenção da apneia da prematuridade, da displasia broncopulmonar e na redução da duração da ventilação mecânica.19 Esse medicamento está em uso há mais de 40 anos, sendo um dos mais frequentemente prescritos nos serviços de assistência neonatal.20 Contudo, ressalta-se que o uso isolado da cafeína não pode ser considerado como única intervenção para a prevenção dessas complicações do neurodesenvolvimento em prematuros. Isto porque a extensão em que a apnéia é responsável por atrasos no desenvolvimento pode ser de causalidade primária ou estar associada a um contexto de outras sequelas neurológicas decorrentes da própria prematuridade.

A ocorrência de óbitos no período neonatal observada tanto em prematuros extremos e nos muito prematuros foi mais alta que a encontrada em outra pesquisa realizada em Viçosa - MG, que registrou uma mortalidade de 47,5% e 13,8% para extremos e muito prematuros, respectivamente.21 A maioria dos óbitos dos prematuros extremos ocorreu no período neonatal precoce, sendo as condições respiratórias importantes causas destes óbitos. Resultado semelhante foi verificado pelo National Institute of Child Heath (NICHD), no período de 2000 a 2011, que avaliou as causas e o momento do óbito nos prematuros extremos. A maioria dos óbitos nas primeiras horas de vida decorreu da imaturidade e de complicações respiratórias.

O percentual de sobrevida encontrado neste estudo foi crescente de acordo com o avanço da IG, com 12,5% de sobrevida ao final do período neonatal para prematuros de 23-25 semanas e 92,3% para os de 31-32 semanas. No subgrupo de 26-27 semanas, foi demonstrando uma sobrevida maior que 50%, sendo este período o limite de viabilidade da população estudada. Em países desenvolvidos como os Estados Unidos, no entanto, que têm menor mortalidade para essa população, o limite de viabilidade foi estimado em 23 semanas de IG.5 Observa-se que os prematuros nos países em desenvolvimento ainda sofrem com condições que poderiam ser evitadas com intervenções relativamente fáceis, além dos cuidados pré-natais e perinatais, como treinamento em práticas de reanimação, prevenção da hipotermia, algoritmos para detecção precoce de infecção e início precoce da amamentação.22

A implementação das medidas preconizadas pelas instituições reguladoras, como organização da assistência de maneira regionalizada e hierarquizada, investimento em recursos humanos e tecnológicos e com melhoria na assistência ao parto ainda não é uma realidade plena. O acesso a intervenções obstétricas e neonatais adequadas tem mostrado grande impacto na redução da incidência de alguns agravos e maior sobrevida de recém-nascidos de risco.23

Identificam-se algumas limitações nesse estudo, como a utilização de uma base de dados secundária, documentada em prontuários, que é dependente da qualidade dos registros realizados por terceiros, passível de viés de informação. Outro aspecto é a não completude dos dados maternos, dos cuidados pré-natais e do parto, pois o prontuário utilizado na coleta era do internamento do recém-nascido na UTI Neonatal e, em muitos casos, este era proveniente de outros hospitais. Dessa forma, alguns dados maternos poderiam estar ausentes.

Conclui-se neste estudo que os cuidados intensivos aos prematuros extremos e muito prematuros foram, principalmente, em virtude da elevada incidência de morbidades relacionadas ao sistema respiratório e da sepse precoce, com alto uso de medicamentos off-label e sem licença nos dois subgrupos. A ocorrência de óbito foi maior no grupo dos prematuros extremos, o grupo mais vulnerável, causado principalmente por Choque Séptico. Prematuros de menores idades gestacionais tiveram menor sobrevida, com maiores decréscimos no período neonatal precoce, e a viabilidade na população de prematuros estudada ficou entre 26 e 27 semanas de idade gestacional.

Este estudo contribui para o estabelecimento de diretrizes direcionadas para melhoria da atenção à população de prematuros, através de subsídios para o planejamento e potencialização da rede de cuidados materno-infantil. Destaca-se a relevância do investimento em treinamento técnico para os cuidados imediatos ao nascimento e para o transporte intra-hospitalar adequado. Essas medidas podem levar à redução da morbidade e mortalidade, e consequentemente, melhoria na sobrevida dos neonatos mais imaturos.

Referências

1. United Nations International Children's Emergency Fund (UNICEF). Levels and trends in child Mortality: Report 2021. Estimates. United Nations Children's Fund [online]. New York: UNICEF; 2021. [acesso em 2022 jun 12]. Disponível em: https://data.unicef.org/resources/levels-and-trends-in-child-mortality

2. World Health Organization (WHO). Born Too Soon: the global action report on preterm birth. Geneva: WHO; 2012. [acesso em 2020 jun 24]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/44864

3. Myrhaug HT, Brurberg KG, Hov L, Markestad T. Survival and Impairment of Extremely Premature Infants: a meta-analysis. Pediatrics. Am Acad Pediatr. 2019 Feb; 143 (2): e20180933.

4. Riviere D, Mckinlay CJD, Bloomfield FH. Adaptation for life after birth: a review of neonatal physiology. Anaesth Intensive Care Med. 2017; 18 (2): 59-67.

5. Manuck TA, Rice MM, Bailit JL, Grobman WA, Reddy UM, Wapner RJ, et al. Preterm neonatal morbidity and mortality by gestational age: a contemporary cohort. Am J Obstetr Gynecol. 2016 Jul; 215 (1): 103.

6. Allegaert K. Rational Use of Medicines in Neonates: Current Observations, Areas for Research and Perspectives. Healthcare (Basel). 2018; 6 (3): 115.

7. Costa HT, Costa TX, Martins RR, Oliveira AG. Use of off-label and unlicensed medicines in neonatal intensive care. PLoS ONE. 2018 Sep; 13 (9): e0204427.

8. Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP). Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre parto e nascimento. Instrumento para coleta de dados no prontuário [on line]. [acesso em 2020 ago 12]. Disponível em: https://nascernobrasil.ensp.fiocruz.br/?us_portfolio=nascer-no-brasil#:~:text=Foram%20entrevistadas%2090%20pu%C3%A9rperas%20em,do%20cart%C3%A3o%20de%20pr%C3%A9%2Dnatal.

9. Smith VC. Recém-nascido de alto risco/ antecipacao, avaliacao, tratamento e desfechos. In: Cloherty PJ. (Org. ). Manual de Neonatologia. 7a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2015. p. 105-26.

10. IBM Micromedex. [on line]. [acesso em 2020 ago 12]. Disponível em: https://www.micromedexsolutions.com/home/dispatch

11. Seri I, Evans J. Limits of viability: definition of the gray zone. J Perinatol. 2008 May; 28 (Supl. 1): S4-8.

12. Machado JS, Ferreira TS, Lima RCG, Vieira VC, Medeiros DS. Preterm birth: topics in physiology and pharmacological characteristics. Rev Assoc Med Bras. 2021; 67 (1): 150-5.

13. Castro MP, Rugolo LMSS, Margotto PR. Sobrevida e morbidade em prematuros com menos de 32 semanas de gestação na região central do Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34 (5): 235-42.

14. Walter JM, Corbridge TC, Singer BD. Invasive Mechanical Ventilation. Southern Med J. 2018; 111 (12): 746-53.

15. Guedes JM, Conceição SL, Albergaria TFS. Efeitos deletérios da ventilação mecânica invasiva em prematuros: revisão sistemática. Rev Pesq Fisio. 2018; 8 (1): 119-30.

16. Frattarelli DAC, Galinkin JL, Green TP, Johnson TD, Neville KA, Paul IM, et al. Off-Label Use of Drugs in Children. Pediatrics. 2014 Mar: 133 (3): 563-7.

17. Khasawneh W, Khriesat W. Assessment and comparison of mortality and short-term outcomes among premature infants before and after 32-week gestation: a cross-sectional analysis. Ann Med Surg (Lond). 2020 Oct; 60: 44-9.

18. Odabasi IO, Bulbul A. Sepse neonatal. Sisli Etfal Hastan Tip Bul. 2020 Jun 12; 54 (2): 142-58.

19. Schmidt B, Roberts RS, Anderson PJ, Asztalos EV, Costantini L, Davis PG, et al. Caffeine for Apnea of Prematurity (CAP) Trial Group. Academic Performance, Motor Function, and Behavior 11 Years After Neonatal Caffeine Citrate Therapy for Apnea of Prematurity: An 11-Year Follow-up of the CAP Randomized Clinical Trial. JAMA Pediatr. 2017 Jun 1; 171 (6): 564-72.

20. Kreutzer K, Bassler D. Cafeína para apneia da prematuridade: uma história de sucesso neonatal. Neonatol. 2014; 105 (4): 332-6.

21. Freitas BA, Sant'Ana LF, Longo GZ, Siqueira-Batista R, Priore SE, Franceschini SC. Características epidemiológicas e óbitos de prematuros atendidos em hospital de referência para gestante de alto risco. Rev Bras Ter Intensiva. 2012; 24 (4): 386-92.

22. Lehtonen L, Gimeno A, Parra-Llorca A, Vento M. Early neonatal death: a challenge worldwide. Semin Fetal Neonatal Med. 2017; 22 (3): 153-60.

23. Carvalho M, Gomes MA. A mortalidade do prematuro extremo em nosso meio: realidade e desafios. J Pediatr (Rio J). 2005; 81 (Supl. 1): S111-8.

Recebido em 7 de Setembro de 2021
Versão final apresentada em 18 de Outubro de 2022
Aprovado em 25 de Outubro de 2022

Editor Associado: Pricila Mullachery

Contribuição dos autores: Ferreira TS e Machado JS: conceituação (Igual); Curadoria de dados (Igual); Análise formal (Igual); Investigação (Igual); Metodologia (Igual); Visualização (Igual); Escrita (Igual); Edição e Revisão (Igual).
Queiroz DB: curadoria de dados (Igual); Análise formal (Igual); Metodologia (Igual); Visualização (Igual); Escrita (Igual); Edição e Revisão (Igual); Costa: RS: curadoria de dados (Igual); Metodologia (Igual); Visualização (Igual); Análise formal (Igual); Revisão (Igual).
Vieira VC: curadoria de dados (Igual); Análise formal (Igual); Aquisição de financiamento (Igual); Metodologia (Igual); Administração de Projetos (Igual); Supervisão (Igual); Validação (Igual); Visualização (Igual); Edição e Revisão (Igual).
Lima: RCG: curadoria de dados (Igual); Análise formal (Igual); Aquisição de financiamento (Igual); Metodologia (Igual); Administração de Projetos (Igual); Supervisão (Igual); Validação (Igual); Visualização (Igual); Edição e Revisão (Igual).
Medeiros DS: conceituação (Igual); Curadoria de dados (Igual); Análise formal (Igual); Aquisição de financiamento (Igual); Investigação (Igual); Metodologia (Igual); Administração de Projetos (Igual); Supervisão (Igual); Validação (Igual); Visualização (Igual); Escrita (Igual); Edição e Revisão (Igual).

Os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

Copyright © 2024 Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil Todos os direitos reservados.

Desenvolvido por: