Publicação Contínua
Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
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Mortalidade infantil em um estado do Nordeste Brasileiro entre os anos de 2009 e 2018: uma abordagem espaço temporal

Aline Vanessa da Silva1 ; Emília Carolle Azevedo de Oliveira2; Amanda Patrícia da Silva3; Amanda Priscila de Santana Cabral Silva4

DOI: 10.1590/1806-9304202300000032 e20220032

RESUMO

OBJETIVOS: apresentar o perfil epidemiológico da mortalidade infantil e dos componentes neonatal e pós-neonatal, além da dinâmica espaço temporal desses eventos em Pernambuco, entre os anos de 2009 e 2018.
MÉTODOS: estudo descritivo e ecológico, de abordagem espaço temporal, da mortalidade infantil de Pernambuco entre 2009 e 2018. Foram descritas características epidemiológicas e espaço temporais, tendo como fonte de dados o Sistema de Informação sobre Mortalidade e o Sistema de Informação sobre Nascidos vivos.
RESULTADOS: ocorreram 19.436 óbitos infantis no período, sendo 13.546 (69,7%) no período neonatal e 5.890 (30,3%) no período pós neonatal. Predominaram crianças do sexo masculino (55,4%), não brancas (74,7%), com baixo peso ao nascer (63,5%), sendo as mães com idade entre 20 e 29 anos (46,6%), com escolaridade entre oito e 11 anos (43,9%) e com gestação pré-termo (65,2%). Houve decréscimo da taxa de mortalidade infantil durante a década analisada, entretanto elevadas taxas persistiram em municípios das Macrorregiões de saúde Sertão e Vale do São Francisco e Araripe.
CONCLUSÕES: a mortalidade infantil apresentou cenário de queda ao longo dos anos estudados, todavia é necessário o alcance de melhores taxas, o enfrentamento às desigualdades e a outros entraves que perpetuam o evento no estado de Pernambuco.

Palavras-chave: Mortalidade infantil, Vigilância epidemiológica, Estatísticas vitais, Análise espacial, Regressão linear

ABSTRACT

OBJECTIVE: to present the epidemiological profile of infant mortality and neonatal and post neonatal components, in addition to the temporal dynamics of these events in Pernambuco State between 2009 and 2018.
METHODS: descriptive, ecological, temporal space study of infant mortality in Pernambuco between 2009 and 2018. Epidemiological and temporal space characteristics were described using the Sistema de Informação sobre Mortalidade (Mortality Information System) and the Sistema de Informação sobre Nascidos vivos. (Information System on Live Births) as data sources.
RESULTS: there were 19,436 infant deaths in the period; 13,546 (69.7%) in the neonatal period and 5,890 (30.3%) in the post neonatal period. Male (55.4%), non-white children (74.7%) with low birth weight (63.5%) predominated; mothers were aged between 20 and 29 years (46.6%), with 8-11 years of schooling (43.9%) and preterm pregnancy (65.2%). Although the infant mortality rate decreased during the analyzed decade, high rates persisted in cities in the Sertão (backwoods) and Vale do São Francisco and Araripe macroregions of health services.
CONCLUSIONS: even though infant mortality declined over the years studied, it is necessary to achieve better rates and confront inequalities and other obstacles that perpetuate the event in Pernambuco State.

Keywords: Infant mortality, Epidemiological surveillance, Vital statistics, Spatial analysis, Linear regression

Introdução

A mortalidade infantil (MI) é considerada um grave problema de saúde pública e possui relação direta com as condições de vida, acesso e qualidade da atenção à saúde materno-infantil, sendo na maioria das vezes evitável. Nesse sentido, é um forte indicador do acesso e da qualidade da atenção prestada ao público materno-infantil.1

As mortes de menores de um ano são consequência de aspectos biológicos, socioculturais, econômicos, falhas no sistema de saúde e outros determinantes sociais de saúde. E por isso, as ações para redução desta problemática envolvem os diversos setores da sociedade, por serem necessárias mudanças estruturais desde o âmbito social até o fortalecimento e qualificação das ações de atenção materno infantil, por meio da criação e efetivação de políticas públicas de saúde.2

A MI integra dois componentes, sendo a mortalidade neonatal e a mortalidade pós-neonatal, referente aos óbitos ocorridos em menores de um ano de vida, entre 0 e 27 dias de vida e entre 28 a 364 dias de vida, respectivamente. Na mortalidade neonatal as causas de morte estão associadas à qualidade da atenção à saúde, enquanto na mortalidade pós-neonatal existe uma relação com o ambiente em que a criança cresce e interage. Mesmo em ambientes com contextos precários, há evidência que uma melhor atenção à saúde diminuiu a mortalidade infantil, destacando ainda a importância do acesso da mãe ao planejamento da gravidez, pré-natal de qualidade, parto assistido e o cuidado até o primeiro ano de vida para garantir a sobrevida, o crescimento e o desenvolvimento.3

No Brasil, de 1990 a 2015 identificou-se o declínio da taxa de mortalidade infantil (TMI), passando de 47,1 para 13,5 óbitos/1.000 nascidos vivos (NV), respectivamente.4 Quando observadas as regiões, as maiores taxas foram identificadas no Norte (21 óbitos/1.000 NV), seguida do Nordeste (19 óbitos/1.000 NV).5 Em 2016, o estado de Pernambuco apresentou uma TMI de 13 óbitos/1.000 NV.6

Embora o Brasil tenha atingido a redução da mortalidade infantil proposta pela agenda de 2015 dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), ainda existem desafios diante desse problema de saúde pública, o que demonstra a necessidade de empenho para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que apresenta agenda mundial a ser atingida até 2030, objetivando reduzir a mortalidade neonatal para pelo menos 12/1.000 NV e a mortalidade de crianças menores de cinco anos para pelo menos 25/1.000 NV.7

A associação entre mortalidade infantil e desigualdades territoriais reforçam a necessidade de analisar como esse fenômeno se distribui geograficamente. Nesse sentido, a análise espacial tem sido incorporada a estudos epidemiológicos por revelar regiões com maiores riscos para ocorrência de óbitos infantis.8 Os métodos dessa análise na saúde coletiva vêm sendo utilizados sobretudo em estudos ecológicos, por meio de detecção de aglomerados espaciais ou espaço-temporais, avaliação e monitoramento desse ambiente.9

Diante do exposto, o objetivo deste estudo é apresentar o perfil epidemiológico da mortalidade infantil e dos componentes neonatal e pós-neonatal, além da dinâmica espaço temporal desses eventos em Pernambuco, entre os anos de 2009 e 2018.

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo e ecológico de série espaço temporal sobre a mortalidade infantil e os seus componentes. O local de estudo, o estado de Pernambuco, teve em 2019 uma população de 9.557.071 habitantes10 e destes, 133.359 eram menores de um ano.11 O estado é composto por 185 municípios distribuídos administrativamente em doze Gerências Regionais de Saúde agregadas nas Macrorregiões de Saúde Metropolitana, Agreste, Sertão e Vale do São Francisco e Araripe, conforme Figura 1.12

 



A população do estudo correspondeu aos nascidos vivos residentes em Pernambuco no período entre 01 de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2018. Utilizaram-se os bancos de dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) por meio do site do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS).

Para o perfil epidemiológico e análise espacial foram considerados dois quinquênios, sendo o primeiro formado pelos anos de 2009 a 2013 e o segundo composto pelos anos de 2014 a 2018.

O perfil epidemiológico dos óbitos infantis, neonatais e pós neonatais, foi descrito por meio de frequências absolutas e relativas das variáveis relativas à criança: sexo (masculino/feminino), cor/raça (branco/não branco), peso ao nascer (baixo peso - menos de 2500g; peso insuficiente - 2500g a 2999g; peso adequado - 3000g a 3999g ou excesso de peso 4000g ou mais) e, as variáveis relativas à mãe da criança foram a faixa etária (<15 anos; 15-19 anos; 20-29 anos; 30-39 anos; 40 e mais), escolaridade (nenhuma; 1 a 3 anos; 4 a 7 anos; 8 a 11 anos; 12 e mais anos de estudo) e duração da gestação (pré-termo - 36 semanas e seis dias ou menos; a termo - 37 até 41 semanas e seis dias ou pós-termo - 42 semanas ou mais).

Para a análise de tendência temporal calculou-se, para cada ano, as taxas de mortalidade neonatal, pós-neonatal e mortalidade infantil. Posteriormente foi realizada a regressão linear, sendo as taxas de mortalidade a variável dependente (Y) e o ano do óbito a variável independente (X).

Para a análise espacial foram calculadas, por quinquênio, as taxas brutas de mortalidade infantil, neonatal e pós-neonatal para cada município. Para tanto, foi considerado, para cada quinquênio, o total de óbitos (infantil ou neonatal ou pós-neonatal) no quinquênio dividido pelo total de nascidos vivos no quinquênio multiplicado por 1.000. Reconhecendo que as taxas de mortalidade brutas podem ser influenciadas por pequenos números populacionais ou subnotificações, foi adotada a suavização das taxas por meio do estimador bayesiano empírico local, com o objetivo de controlar possíveis flutuações aleatórias não associadas ao risco.13

Posteriormente, foi calculada a razão de risco (RR), sendo a taxa suavizada do segundo quinquênio dividida pela taxa suavizada do primeiro quinquênio. Se RR > 1,0 indica um excesso de risco de mortalidade infantil; se RR < 1,0 aponta uma redução da mortalidade infantil, enquanto uma RR=1,0 reporta a ausência de alteração no cenário de mortalidade infantil.

Foram utilizadas planilhas eletrônicas e os softwares Epiinfo 7, Terraview 4.2.2 e QGIS 2.18. A base cartográfica do estado de Pernambuco por município de residência foi disponibilizada no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Devido à natureza pública dos dados, não foi necessária a submissão de projeto de pesquisa ao Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados

Em Pernambuco ocorreram 19.436 óbitos infantis entre 2009 e 2018, sendo 10.476 (53,9%) no 1º quinquênio e 8.690 (46,1%) no 2º quinquênio, correspondendo à uma TMI de 14,9 e 12,9 óbitos/1000 NV, respectivamente.

Do total de óbitos, 13.546 (69,7%) são neonatais; destes, 7.203 (10,3 óbitos/ 1000 NV) ocorreram no primeiro quinquênio e 6.343 (9,1 óbitos/ 1000 NV) no segundo quinquênio. O período pós neonatal respondeu por 30,3% do total de óbitos (n=5.890), com 3.281 (4,7 óbitos/ 1000 NV) registrados no primeiro quinquênio e 2.609 óbitos (3,8 óbitos/ 1000 NV) no segundo quinquênio.

O perfil epidemiológico dos óbitos infantis teve padrão semelhante, seja no período neonatal ou pós neonatal, para as características relacionadas à criança (predominância do sexo masculino, da cor/raça não branco e do baixo peso ao nascer) e da mãe (faixa etária da mãe entre 20 e 29 anos, escolaridade entre oito e 11 anos de estudo). Entre os óbitos no período neonatal foram mais comuns os nascimentos pré-termo (Tabela 1).

 



As tendências temporais das taxas de mortalidade infantil, neonatal e pós-neonatal se apresentaram de forma decrescente no período analisado (Figura 2). A TMI foi a mais elevada no primeiro ano da série (2009) com 17,1 e a menor em 2017 com 12,1. A TMI neonatal foi maior no ano de 2009 (11,6) e chegou a 8,7 óbitos/1000 NV em 2018. Em menor magnitude, a TMI pós neonatal iniciou a série com 5,5 óbitos/ 1000 NV em 2009 e atingiu o menor patamar em 2017, com 3,5 óbitos/ 1000 NV (Figura 2). Em relação à variabilidade dos dados, o modelo linear explica em 76,5% a variância da taxa de mortalidade infantil em relação ao tempo, bem como a taxa de mortalidade neonatal (68,7%) e pós neonatal (75,6%) (Figura 2).

 



Embora a análise temporal tenha revelado um declínio da TMI e seus componentes, a distribuição espacial revela que a redução dos indicadores se dá de forma heterogênea no território pernambucano (Figura 3 e 4). No primeiro quinquênio foram observadas elevadas TMI, superiores à média estadual (14,9 óbitos/ 1000 NV), sobretudo em municípios localizados nas Macrorregiões Sertão e São Francisco e Araripe (Figura 3A). No segundo quinquênio percebe-se uma redução das TMI, com destaque para municípios localizados no Sertão do estado (Figura 3B), sendo esse comportamento ratificado pela razão de risco (Figura 3C), que revela a redução ou manutenção das taxas observadas no período de estudo.

 



De forma semelhante, o padrão espacial da TMI neonatal apresenta taxas superiores à média observada em Pernambuco no 1º quinquênio (10,3 óbitos/ 1000 NV), tendendo ao decréscimo quando observado o período entre 2014 a 2018 (Figuras 4A e 4B). Entretanto, a análise da razão de risco revela uma persistência da mortalidade, sobretudo em municípios concentrados em parte da Macrorregião Agreste, ao sul da Macrorregião Metropolitana e ao oeste da Macrorregião do Vale do São Francisco e Araripe (Figura 4C).

 



Entre 2009 e 2013 as taxas de mortalidade infantil pós-neonatal superiores à média estadual (4,7 óbitos/ 1000 NV) se concentraram em municípios da região central do estado (parte das Macrorregiões Agreste e Sertão) e em parte do oeste pernambucano (Macrorregião do Vale do São Francisco e Araripe) (Figura 4D). Apesar de no 2° quinquênio ser observada a redução do número de municípios com elevadas taxas (Figura 4E), a análise da razão de risco revela a existência de municípios em que as taxas aumentaram - localizados na Macrorregião Agreste e ao oeste do estado, na Macrorregiões do Vale do São Francisco e Araripe (Figura 4F).

Discussão

O presente estudo identificou que ocorreram 19.436 óbitos infantis no período, sendo 13.546 (69,7%) no período neonatal e 5.890 (30,3%) no período pós neonatal. Predominaram crianças do sexo masculino (55,4%), não brancas (74,7%), com baixo peso ao nascer (63,5%), sendo as mães com idade entre 20 e 29 anos (46,6%), com escolaridade entre oito e 11 anos (43,9%) e com gestação pré-termo (65,2%). Houve decréscimo da TMI durante a década analisada, entretanto elevadas taxas persistiram em municípios das Macrorregiões de saúde Sertão e Vale do São Francisco e Araripe.

Esse comportamento está alinhado com os achados da pesquisa de Souza et al. ,14 que investigou a mortalidade infantil em todos os estados brasileiros entre os anos de 1990 e 201514; ao longo dos 26 anos analisados foi percebida a redução da TMI em todo o país, sendo mais impactante nos estados da Região Nordeste.

São reconhecidos pela literatura como positivos para melhoria deste indicador a melhoria das condições de vida, como o acesso a saneamento básico, a garantia da segurança alimentar e nutricional e a vacinação,15 além de programas de transferência de renda, à exemplo do Programa Bolsa Família.16 O fortalecimento de políticas de saúde, como a expansão da Estratégia de Saúde da Família, da implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança e da criação da Rede Cegonha possivelmente influenciou na cobertura e na qualidade da atenção à assistência pré natal, ao nascimento e parto e na forma de cuidado e gestão na assistência à saúde da mulher e da criança.16-18

Todavia, a literatura aponta que após o longo período de redução da TMI, identificou-se um crescimento no Brasil de 2,4%, correspondendo a 12,7 óbitos por 1000 NV no ano de 2016. Esse comportamento pode ser explicado, de maneira parcial, pelo decréscimo do número de NV no período e pelo aumento de óbitos pós-neonatais. Esse período está relacionado à piora das condições de vida e do acesso aos serviços de saúde,19 da ocorrência da epidemia de Zika vírus nos anos de 2015 e 2016 com concomitantes casos de Síndrome Congênita do Zika Vírus,20 corroborando com os resultados verificados no presente estudo, que identificou aumento na TMI e nos seus componentes neonatal e pós-neonatal em 2016.

O predomínio de óbitos infantis em crianças do sexo masculino, com baixo peso ao nascer, prematuros e filhos de mães adultas jovens conforme identificado no presente estudo são características encontradas em outros estudos.21-23 O baixo peso ao nascer está relacionado ao risco à desnutrição, infecções e problemas respiratórios no primeiro ano de vida.22 Quanto ao sexo masculino, pode estar relacionado a maturação pulmonar dos bebês deste sexo que ocorre mais tardiamente, favorecendo o surgimento de problemas respiratórios, o que representa uma das principais causas de morte nessa faixa etária.23

Em Pernambuco a maior proporção de óbitos neonatais e pós-neonatais ocorreu em crianças com mães adultas jovens (20 a 29 anos) e com oito a 11 anos de escolaridade. Uma vez que ao longo dos anos tem-se identificado uma forte relação entre a ocorrência da mortalidade infantil e baixa escolaridade materna2,24 e faixas etárias materna extremas,21,24 os achados do presente estudo precisam ser melhor investigados, com abordagem analítica mais robusta, relacionando a outros fatores como o acesso aos serviços de saúde, número de consultas pré-natal, ocupação e renda familiar, entre outros.

Quanto à maior proporção de óbitos em crianças não brancas, resultados semelhantes foram encontrados na maioria das capitais brasileiras.2 Picoli et al.25 referem que a cor ou raça, isoladamente, não seriam fatores de risco para a ocorrência do óbito infantil, mas quando interagem com outros indicadores de posição social (educação, renda e gênero), a raça ou cor pode expor o grupo a situações de vulnerabilidade, tendo em vista a sua inserção social adversa.

A análise espacial permitiu identificar o padrão heterogêneo da mortalidade infantil no território pernambucano. Elevadas taxas se concentraram em municípios localizados nas Mesorregiões de Saúde do Vale do São Francisco e Araripe e no Sertão, em regiões mais distantes da capital Recife.

No estado do Espírito Santo, uma investigação adotando análise espacial da mortalidade infantil evitável entre os anos de 2006 e 2013, revelou agregados espaciais em localidades mais distantes dos centros urbanos e com maior carência de serviços. Tais serviços - em especial os de alta complexidade - em geral localizados em maior concentração nas Regiões Metropolitanas dos estados, indicam possíveis carências no atendimento especializado imediato aos recém-nascidos, componente essencial na sobrevida das crianças menores de um ano.26,27

No presente estudo, os agregados de elevadas taxas de mortalidade podem estar relacionados ao porte populacional, renda, desenvolvimento socioeconômico, funcionamento e localidade dos serviços. Entretanto, cabe ressaltar a redução das taxas de mortalidade infantil durante a década analisada, identificadas por meio da razão de risco. A expansão da atenção básica à saúde nos municípios pode ter proporcionado a redução de barreiras de acesso, enquanto sua qualificação pode ter ampliado sua resolutividade e a articulação entre as intervenções de vigilância e assistência.28

Durante o período, também foi ampliado e incentivado o fortalecimento dos comitês de vigilância do óbito infantil em estados e municípios.29 Essa instância tem em sua prática ações que visam identificar as causas e os fatores que contribuem para o óbito, além de reconhecer o que funcionou e o que pode ser aprimorado em relação aos cuidados prestados.30 Nesse sentido, o fortalecimento da vigilância do óbito infantil é fundamental para planejar ações voltadas para a redução da mortalidade infantil.8

Dentre as limitações deste estudo estão o uso de dados secundários, oriundos do SIM e SINASC, que podem apresentar imprecisões, sobretudo relacionadas à qualidade dos dados. Destaca-se também que unidades de análise menores, como os bairros, permitiriam uma maior precisão na detecção de regiões prioritárias para a mortalidade infantil. Entretanto, o uso dos municípios é relevante pela disponibilidade desses dados nos sistemas de informação, além da fácil compreensão e interpretação desse nível espacial. Para corrigir possíveis flutuações aleatórias decorrentes da unidade de análise adotada, os dados foram agregados em cinco anos concomitante à aplicação de estimador de suavização de taxas como forma de estabilizar e minimizar esse efeito.

Os resultados evidenciam um cenário de queda da mortalidade infantil e dos seus componentes, refletida na tendência temporal que pode ser reflexo das estratégias realizadas ao longo dos anos, indicando a melhora da qualidade da atenção materno-infantil.

Recomenda-se a realização de estudos com metodologias robustas de análise temporal e espacial no nível acadêmico e nos serviços de saúde, visto a capacidade dos Sistemas de Informações Geográficas auxiliarem na compreensão do contexto. Por fim, identificar o perfil dos óbitos e do padrão espacial da MI podem contribuir na priorização das intervenções na assistência e vigilância em saúde, em especial nos territórios mais vulneráveis.


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Recebido em 5 de Fevereiro de 2022
Versão final apresentada em 31 de Janeiro de 2023
Aprovado em 23 de Fevereiro de 2023

Editor Associado: Ana Albuquerque

Contribuição dos autores: Silva AV: conceitualização, curadoria dos dados, análise, investigação, metodologia, administração do projeto, utilização de software, análises finais e revisões.
Oliveira ECA: conceitualização, curadoria dos dados, análise, investigação, metodologia, administração do projeto, utilização de software, análises finais, revisões, supervisão, validação e coorientação.
Silva AP: curadoria dos dados, análise, investigação, suporte, utilização de software, suporte nas análises finais e revisões.
Silva APSC: conceitualização, curadoria dos dados, análise, investigação, metodologia, administração do projeto, utilização de software, análises finais, revisões, supervisão, validação e orientação.

Os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

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