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Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
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Retenção de peso 12 meses pós-parto: associação com fatores sociodemográficos, gestacionais e puerperais

Brenda da Cunha Carvalho1; Larissa Bueno Ferreira2; Tamires Nunes dos Santos3; Rafaela Cristina Viera e Souza4; Luana Caroline dos Santos5

DOI: 10.1590/1806-9304202300000392 e20220392

RESUMO

OBJETIVOS: investigar a associação entre fatores sociodemográficos, gestacionais/puerperais com a retenção de peso pós-parto (RPPP) após 12 meses em mulheres brasileiras em hospital universitário.
MÉTODOS: coorte prospectiva com puérperas recrutadas na maternidade do hospital universitário de uma metrópole brasileira. Na linha de base (n=260) foram coletadas informações sociodemográficas, antropométricas do binômio mãe-filho e dados relativos ao período gestacional. O padrão alimentar materno foi mensurado por meio do questionário de frequência alimentar e posteriormente determinado pela Análise de Componentes Principais. A RPPP foi classificada como risco para obesidade se ≥7,5Kg.
RESULTADOS: 75 mulheres continuaram no seguimento, com média de 28,4 anos de idade (IC95%= 27,0-29,7), 25,3% com RPPP excessiva, sendo em média 3,6 Kg (IC95%= 1,7-5,4). Maior ganho de peso gestacional (GPG) (β= 0,36; IC95%= 0,18-0,70) e menor idade materna (β= -0,41; IC95%= -0,92--0,22) foram preditores da RPPP (p≥0,001) (ajustado pela renda per capita, paridade, tipo de parto, número de consultas pré-natal, peso ao nascer do bebê, aleitamento materno e atividade física).
CONCLUSÃO: evidenciou-se elevada ocorrência de RPPP excessiva, favorecida pelo maior GPG e menor idade materna. Aponta-se assim a importância do monitoramento da saúde da mulher durante o período reprodutivo, com orientações sobre modos de vida (alimentação e atividade física), para favorecer melhores desfechos para mãe-filho.

Palavras-chave: Saúde materna, Período pós-parto, Fatores de risco, Ganho de peso na gestação, Retenção de peso pós-parto

ABSTRACT

OBJECTIVES: to investigate the association between sociodemographic, gestational/puerperal factors and postpartum weight retention (PPWR) after 12 months in Brazilian women at a university hospital.
METHODS: prospective cohort with puerperal women recruited at the maternity ward of a university hospital in a Brazilian metropolis. At baseline (n=260), sociodemographic and anthropometric information on the mother-child binomial and data related to the gestational period were collected. Maternal dietary patterns were measured using a food frequency questionnaire and subsequently determined by Principal Component Analysis.
RESULTS: 75 women, with a mean age of 28.4 years (CI95%= 27.0-29.7), 25.3% with excessive PPPR, with an average of 3.6 kg (CI95%= 1.7) continued in the follow-up. -5.4). Higher gestational weight gain (GWG) (β= 0.36; CI95%= 0.18-0.70) and lower maternal age (β= -0.41; CI95%= -0.92--0.22) were PRPP predictors (p≥0.001) (adjusted for per capita income, parity, type of delivery, number of prenatal visits, baby's birth weight, breastfeeding and physical activity).
CONCLUSION: there was a high occurrence of excessive PPPR, favored by higher GPG and lower maternal age. This highlights the importance of monitoring women's health during the reproductive period, with guidance on ways of life (diet and physical activity), to favor better outcomes for mother-child.

Keywords: Maternal health, Postpartum period, Risk factors, Weight gain during pregnancy, Postpartum weight retention

Introdução

O cuidado e atenção à saúde da mulher é fundamental em todos os ciclos da vida, especialmente durante a gravidez e o período pós-parto, reconhecidos como período de risco para o desenvolvimento da obesidade.1 Dados mundiais apontam que 15% e 40% das mulheres adultas apresentam obesidade e sobrepeso, respectivamente.2 No Brasil, as prevalências também são elevadas. Na pesquisa Vigitel 2021 (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) identificou-se em média 46,7% das mulheres entre 18 e 44 anos com algum grau de excesso de peso.3 Os relatórios do SISVAN (Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional) 2022 apontam aproximadamente 67,6% das mulheres adultas com essa condição.4

Uma das causas do excesso de peso em mulheres em idade reprodutiva é a retenção de peso pós-parto (RPPP), diferença absoluta entre o peso pré-gestacional (PPG) e o peso pós-parto (PPP).5,6 Estudos prospectivos apontam que menos de 65% das mulheres recuperam o peso anterior à gestação em até 12 meses pós-parto.7

A RPPP apresenta origem multicausal. Hábitos alimentares do período gestacional demandam atenção especial uma vez que, se estes não forem saudáveis, podem promover um ganho de peso gestacional (GPG) excessivo, e repercutir de modo desfavorável na saúde do binômio mãe-filho.1 Características sociodemográficas como renda, idade, paridade e escolaridade também são importantes determinantes das condições nutricionais dessa população.8,9 Adicionalmente, fatores antropométricos (como o inadequado GPG e a lenta perda de peso após a gestação) e a prática de atividade física insuficiente1se destacam entre os fatores causais da RPPP.

As investigações sobre a RPPP comumente se concentram nas primeiras semanas/meses pós-parto tendo em vista o maior impacto desse período para a alteração ponderal materna.7 No entanto, há a expectativa do retorno ao PPG até um ano pós-parto e quando isso não acontece, aumentam as chances de uma retenção a longo prazo, com peso maior após 15 anos, quando comparadas as mulheres que retornam ao peso anterior à gestação.10

À vista da importância dessa temática e sua influência no planejamento de ações da saúde da mulher, o presente estudo teve por objetivo investigar a associação entre fatores sociodemográficos, gestacionais e puerperais e a retenção de peso 12 meses pós-parto.


Métodos

Coorte prospectiva desenvolvida entre julho de 2018 e julho de 2020, com puérperas recrutadas na maternidade do hospital universitário de uma metrópole brasileira.

Os critérios de inclusão da amostra foram: mulheres em no máximo 48 horas pós-parto, com idade entre 20-40 anos, com crianças nascidas vivas, a termo, em bom estado geral de saúde e que estivessem dispostas a participar do estudo. Os critérios de exclusão foram: mulheres em gestação múltipla ou que referissem histórico de diabetes melittus gestacional ou diabetes melittus anterior a gestação; pré-eclâmpsia ou complicações na sua saúde materno-infantil que demandassem cuidados médicos no período do estudo; ou ausência de dados antropométricos que possibilitassem o cálculo da retenção de peso 12 meses pós-parto.

No primeiro contato, realizado no pós-parto imediato, as participantes foram questionadas quanto à data de nascimento, idade, ocupação, endereço, renda da família, escolaridade e estado civil. Adicionalmente, dados gestacionais e puerperais referentes ao histórico, cuidados e ingestão alimentar complementaram a coleta de dados inicial.

As informações relacionadas ao período gestacional e puerperal foram obtidas através do relato materno: número de consultas de pré-natal,11 PPG e GPG,12 tipo de parto, número de partos, atividade física durante a gestação, dados sobre o aleitamento materno (AM). Adicionalmente, a idade gestacional foi retirada do prontuário médico.

A estatura fora aferida com o auxílio da balança Welmy®com antropômetro acoplado. O IMC pré-gestacional (peso/altura2) foi calculado e classificado de acordo com a Organização Mundial da Saúde.13 Por meio de consulta aos prontuários das participantes foi obtido o peso ao nascer do bebê.

A ingestão alimentar gestacional das participantes foi avaliada por meio de Questionário de Frequência Alimentar (QFA), semiquantitativo, validado para a população adulta brasileira14 e com referência aos últimos seis meses gestacionais. O instrumento apresenta 52 itens alimentícios distribuídos entre os grupos: leites e derivados; carnes e ovos; óleos; petiscos e enlatados; cereais e leguminosas; hortaliças e frutas; sobremesas e doces; bebidas; produtos diet e light e ultraprocessados. O questionário contou com sete opções de frequência de consumo: uma vez ao dia; duas ou mais vezes ao dia; cinco a seis vezes por semana; duas a quatro vezes por semana; uma vez por semana; uma a três vezes ao mês; raramente ou nunca. Os dados foram coletados e agregados a fim de permitir a identificação dos padrões alimentares a posteriori. 15

Para a identificação do padrão alimentar gestacional, o tamanho mínimo da amostra (n=260) foi estimado por meio de fórmula para definição de tamanho amostral na qual o número de indivíduos no estudo deve ser no mínimo cinco vezes maior do que o número de itens presentes no instrumento para coleta de dados referente ao consumo alimentar.15

Os padrões alimentares foram identificados pelo método Análise de Componentes Principais (ACP),15 utilizando rotação ortogonal (Varimax) para destacar a interpretação de cada fator. Para a extração dos padrões alimentares, primeiramente, foi reduzido o número de itens do questionário de 52 itens individuais a 19 grupos de alimentos ou alimentos. Os padrões alimentares descritos por cada fator foram interpretados por cargas fatoriais. Os alimentos ou grupos de alimentos que tiveram carga fatorial maior ou igual a 0,2 na matriz girada refletiram forte associação com os componentes e, portanto, foram utilizados para compor os padrões alimentares.

Um ano após coletar os dados iniciais foi aplicado um questionário similar, com informações sobre AM no momento da consulta, prática de atividade física atual e peso atual da mulher (12 meses pós-parto), aferido com o auxílio da balança Welmy®.

Das mulheres convidadas (n=260) no pós-parto, 65% não compareceram ao encontro de seguimento e foram contatadas por telefone, com aplicação de questionário similar ao efetuado nas consultas presenciais. Foram realizadas três tentativas, em dias e horários distintos, caso a participante não atendesse à primeira ligação. Destas, 20 compareceram as consultas presenciais e 55 mulheres aceitaram responder ao questionário pelo telefone.

Realizou-se análise de sensibilidade entre os grupos (n=20 do presencial e n=55 do contato telefônico) para posterior união e análises dos dados. Não foram encontradas diferenças significativas em relação às variáveis sociodemográficas entre os grupos de mulheres segundo a forma de contato - presencial ou por contatado telefônico, possibilitando a análise conjunta.

Assim, a análise foi composta por 75 mulheres e seus bebês, representando 29% da amostra inicial e com 60% de poder amostral na amostra finita, a partir da média de RPPP, considerando intervalo de confiança de 95% e erro amostral de 5%.

A RPPP foi calculada pela diferença absoluta entre o peso 12 meses pós-parto, aferido na consulta presencial e autorrelatado nos contatos telefônicos, e o PPG, autorrelatado. Classificou-se como risco para o desenvolvimento de obesidade quando maior ou igual a 7,5Kg,5,6 neste estudo denominado como "retenção excessiva".

O banco de dados foi construído com auxílio do programa EpiInfo™ 3.5.1 por meio de digitação dupla e após a devida análise de consistência foram realizadas análises descritivas e bivariadas. A normalidade da distribuição das variáveis foi verificada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Efetuou-se análise descritiva dos dados por meio de frequências absolutas e relativas, medidas de tendência central e dispersão. As variáveis quantitativas foram descritas em média e intervalo de confiança de 95%.

Para comparar as médias das variáveis independentes e o desfecho (retenção de peso 12 meses pós-parto), foram utilizados testes T-Student e ANOVA. O teste de correlação de Spearman foi utilizado para avaliar a correlação entre a variável desfecho e as variáveis quantitativas.

As associações entre as variáveis explicativas e a retenção de peso 12 meses pós-parto foram determinadas por modelo de regressão linear. As variáveis que apresentaram p<0,20 nas análises bivariadas foram incluídas no modelo, com eliminação backward. O ajuste final do modelo foi realizado por variáveis consideradas importantes na revisão de literatura em relação ao desfecho: renda per capita, paridade, tipo de parto, número de consultas pré-natal, peso ao nascer do bebê, AM 12 meses pós-parto e atividade física 12 meses pós-parto. A significância do modelo final foi avaliada pelo teste F da análise de variância e a qualidade do ajuste pelo coeficiente de determinação (R2).

As análises foram realizadas utilizando o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 20.0. O nível de significância adotado foi de 5% (p<0,05) para todas as análises realizadas.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) sob o número 86818118.0.0000.5149.


Resultados

Das 260 mulheres que aceitaram participar do estudo ainda na maternidade, 75 permaneceram até o fim do acompanhamento (12 meses pós-parto). A amostra apresentou média de 28,4 anos de idade (IC95%= 27,0 - 29,7); 67,6% cursaram até o ensino médio, eram em sua maioria multíparas (53,7%) e 45,3% iniciaram a gestação com algum grau de sobrepeso. A RPPP excessiva (≥7,5Kg) foi identificada em 25,3% da amostra. Apenas 10,7% das mulheres retornaram ao PPG 12 meses pós-parto. Outras características maternas estão apresentadas na Tabela 1.


 



Na Análise de Componentes Principais, foram identificados três padrões alimentares distintos, referentes ao período gestacional (n=260), respondendo por 33,14% da variância total (Tabela 2). O primeiro padrão, "Padrão 1", foi composto de pão francês, carnes in natura e ovos, cereais, tubérculos, feijão, alimentos processados, embutidos e fast-food (14,44%). O segundo padrão, "Padrão 2", abrangeu vegetais, frutas e sucos naturais e azeite (9,86%). Por fim, o "Padrão 3" foi composto por leites, laticínios ultraprocessados e queijos (8,33%). Apenas o "Padrão 1" apresentou associação com a RPPP (p<0,05).


 



A retenção de peso 12 meses após o parto apresentou média de 3,6 Kg (IC95%= 1,7 -5,4 Kg) houve correlação entre a RPPP e o maior GPG (r=0,35; p=0,003); e associação com o padrão alimentar 1 (p=0,01) e AM 12 meses (p=0,04) (Tabela 1).

O maior GPG (β= 0,36; IC95%= 0,18-0,70) e menor idade materna (β= -0,41; IC95%= -0,92--0,22) foram preditores da retenção de peso 12 meses pós-parto e explicaram quase 45% de variação desse desfecho, após ajustes pela renda per capita, paridade, tipo de parto, número de consultas pré-natal, peso ao nascer do bebê, AM 12 meses pós-parto e atividade física (Tabela 3).


 




Discussão

No presente estudo, houve elevada prevalência de RPPP excessiva, associada ao maior GPG e menor idade materna, independente dos ajustes. A RPPP também se associou ao Padrão 1 (pão francês, carnes in natura e ovos, cereais, tubérculos, feijão, alimentos processados, embutidos e fast-food). A prevalência e a média de RPPP identificadas assemelharam-se a outros estudos e denotam a importância das investigações dentro dessa temática para a saúde da mulher.5,6,9,16,17

Apesar do estado nutricional pré-gestacional não ter sido diretamente associado a RPPP na presente investigação, verificou-se influência do ganho ponderal durante a gravidez, o que é evidenciado na literatura em população com características similares.18 Uma metanálise que considerou mais de 65 mil mulheres, mostrou que o GPG acima das recomendações pode ser mantido por até 20 anos depois do parto.19 Há de se ponderar que quanto maior o GPG, maior poderá ser a dificuldade e tempo necessário para perdê-lo. Isso foi constatado em outra metanálise,20 que sugeriu que o GPG inadequado resulta em maior RPPP a curto e longo prazo, aumentando as chances de desenvolvimento ou manutenção da obesidade.

A RPPP é multifatorial e nota-se que o estado nutricional da mulher antes da gestação encontra-se entre os seus contribuintes mais relevantes. As diretrizes vigentes21 apontam para importância do estado de eutrofia no período reprodutivo e início da gravidez a fim de possibilitar o GPG de forma moderada e consequentemente propiciar menor retenção de peso, com retorno ao PPG em um ano pós-parto. O presente estudo apresentou que mais de 40% das mulheres iniciaram a gestação com algum grau de excesso de peso e apenas 10% retornando ao PPG no período citado, sendo que resultados similares também foram encontrados em outro trabalho brasileiro.18 Em uma coorte de mulheres norte-americanas com idade entre 14-21 anos (n=4.436), identificou-se que 60% iniciou a gestação com sobrepeso/obesidade e tiveram retenção média de 2,9Kg.22 Mahabamunuge et al. 16 encontraram média de retenção de peso de 3,4Kg seis meses pós-parto em 348 mulheres estadunidenses e cerca de 31% de RPPP.

Achados similares foram apontados em estudo nacional que acompanhou 266 mulheres desde a gestação até nove meses pós-parto.6 Adicionalmente, estudo de coorte em Pelotas, que avaliou 4.098 mulheres, observou prevalência de excesso de PPG similar ao encontrado, com uma média de RPPP inferior no mesmo período (1,4 Kg).7 No entanto, ainda que não sejam muito discrepantes entre si, esses valores são elevados, visto o impacto da retenção de peso à longo prazo na saúde da mulher com maior chance de desenvolvimento de sobrepeso, obesidade e outros agravos.

Quanto aos achados referentes a associação da maior RPPP com menor idade materna, Kac et al. ,6 também identificaram maior RPPP entre mulheres com menor idade (<23 anos). Esses resultados podem ser atribuídos ao início precoce do ciclo reprodutivo, preditor para o desenvolvimento de obesidade pós-parto,6 bem como pelo padrão alimentar observado em gestantes mais jovens.

Um estudo transversal23 (n=1.035) realizado com gestantes brasileiras, identificou 2,9 vezes mais chances de ingestão de alimentos ultraprocessados (IC95%= 1,68-5,17; p<0,001) nas participantes com idade ≤ 19 anos. Uma dieta com maior presença desse tipo de alimento torna-se danosa à saúde da mulher devido ao alto teor de açúcar, gordura e sódio presente nesses produtos, que potencializam o excesso de peso, de obesidade e outras doenças crônicas não transmissíveis24 Tais apontamentos são corroborados em estudos de outras localidades25,26 e evidenciam o maior consumo de ultraprocessados em gestantes jovens.

Adicionalmente, a associação positiva encontrada entre o padrão alimentar 1 e o aumento da RPPP corrobora e amplia os resultados observados na literatura. Uma revisão sistemática, baseada em 11 estudos de delineamento coorte e transversal, apontou que a maior adesão a padrões alimentares mistos e ocidentais ricos em alimentos ultraprocessados durante a gestação associou-se a maior prevalência de GPG excessivo (24,48-55,20%). Tal resultado decorre do desequilíbrio na oferta energética, de macro e micronutrientes, que pode contribuir para desfechos indesejados como crescimento fetal inadequado, acúmulo excessivo de gordura e complicações metabólicas.27

Além dos dados encontrados em relação ao GPG, o padrão alimentar gestacional também é apontado com interferente no ganho de PPP. Apesar da mudança nos padrões alimentares conforme país/população avaliada, os achados da literatura demonstram associação positiva entre a adesão a padrões alimentares não saudáveis, ocidentais e ricos em açúcar/gordura com resultados negativos de saúde.27 Estudo conduzido com mulheres brasileiras observou que o elevado consumo de gordura saturada e alimentos processados (presentes no Padrão 1) durante a gestação revelou aumento significativo na RPPP, principalmente nos primeiros 15 dias.28 Uma coorte norueguesa também constatou que a adesão à diretrizes nacionais, condizentes com padrão alimentar semelhante aos tradicionais, saudáveis e prudentes, resultou em menor ganho de PPP nos oito anos seguintes, quando comparada com mulheres que tiveram baixa adesão a essa dieta.29

Dentre os aspectos positivos deste estudo destaca-se a amplitude do período de avaliação do pós-parto, visto que os trabalhos comumente avaliam intervalos mais curtos do puerpério. No entanto, cabe apontar algumas limitações como as perdas de seguimento e obtenção de dados autorreferidos. Dada a estrutura longitudinal do trabalho, as perdas eram esperadas, sobretudo em virtude do período avaliado. Em um trabalho que investigou temática semelhante,1 os autores observaram que no contexto brasileiro, estudos de coorte durante o período gravídico-puerperal relatam dificuldade de acompanhamento.

Todavia, foi realizada uma coleta complementar de dados com mulheres que não compareceram ao atendimento presencial, ainda que com baixa adesão. A pandemia de COVID-19 instaurada durante a finalização da coleta também explica, parcialmente, os prejuízos na coleta dos dados. Outra questão são os dados de GPG e PPG serem autorreferidos pela mulher, podendo levar a subestimações. Entretanto, é importante ressaltar que estudos validaram e encontraram alta concordância entre medidas autorrelatadas e aferidas, demonstrando acurácia nas medidas reportadas.12,30

Em suma, os resultados deste trabalho demonstraram elevada ocorrência de RPPP excessiva, que foi favorecida pelo maior GPG e menor idade materna. Esses dados denotam importância no acompanhamento do estado nutricional pós-parto da mulher, conforme apontado em outras investigações, de forma a auxiliar no retorno gradual ao peso pré-gestacional. Evidencia-se ainda necessidade de melhoria da estrutura do pré-natal, atenção a alimentação e consequente acompanhamento contínuo do GPG, com maior atenção para grupos vulneráveis, como as mães mais jovens. Ademais, a oferta de orientações sobre os modos de vida (alimentação e atividade física) pertinentes aos contextos socioeconômicos de cada mulher também merece relevância.

Por fim, aponta-se a demanda por políticas públicas direcionadas para o cuidado integral das puérperas, especialmente durante o primeiro ano pós-parto, considerado crítico no retorno ao PPG, com impactos em longo prazo para a saúde da mulher.

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Recebido em 17 de Novembro de 2022
Versão final apresentada em 25 de Abril de 2023
Aprovado em 28 de Abril de 2023

Editor Associado: Melânia Amorim

Agradecimentos: Agradecemos a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES - Código Financeiro 001), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq - Bolsista de Produtividade em Pesquisa (301555/2019-2) e Edital Universal 2016 (406644 /2016-0) pelo apoio financeiro.

Contribuição dos autores: Carvalho BC: realizou a revisão bibliográfica, concepção, análise e interpretação dos dados e redação final. Ferreira LB e Santos TN realizaram a revisão bibliográfica, análise, interpretação dos dados e redação final. Vieira e Souza RC realizou análise crítica dos resultados e revisão do manuscrito. Santos LC orientou a pesquisa, realizou análise crítica dos resultados, apoio à redação, revisão e aprovação final do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

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