RESUMO
OBJETIVOS: analisar a função sexual e fatores preditores de disfunção sexual entre gestantes acompanhadas na Atenção Primária à Saúde em município no norte de Minas Gerais.
MÉTODOS: estudo transversal, analítico realizado com 1.279 gestantes de Montes Claros/MG, entre 2018 e 2019. Variável: dependente satisfação sexual; variáveis independentes: características sociodemográficas, obstétricas, condições de saúde física e mental e queixas na gestação.
RESULTADOS: a prevalência de disfunção sexual foi de 27,4%. Verificou-se associação com: ter entre nove a 11 anos de estudo (RP=1,08; IC95%=1,03-1,14; p=0,002); ou mais do que 11 anos de estudo (RP=1,14; IC95%=1,08-1,20; p<0,001); renda familiar ≤1 salário mínimo (RP=1,06; IC95%=1,02-1,09; p<0,001); queixa gestacional de tontura (RP=1,54; IC95%=1,23-1,92; p<0,001); baixo apoio social (RP=1,53; IC95%=1,24-1,89; p<0,001); imagem corporal negativa (RP=1,26; IC95%=1,03-1,54; p=0,020); e presença de sintomas de estresse (RP=1,27; IC95%=1,00-1,60; p<0,001).
CONCLUSÃO: fatores preditores de disfunção sexual foram identificados em parte expressiva das gestantes sendo associados a fatores sociodemográficos (anos de estudo); renda familiar; fatores obstétricos (queixas gestacionais como a tontura); aspectos sociais como o baixo apoio; aspectos emocionais (imagem corporal negativa) e a presença de sintomas de estresse. Os resultados indicam a necessidade de mais estudos com gestantes para entender causas da disfunção sexual e orientar ações interprofissionais que promovam a saúde sexual e reprodutiva.
Palavras-chave:
Sexualidade, Gestação, Qualidade de vida, Comportamento sexual, Atenção primária à saúde
ABSTRACT
OBJECTIVES: to analyze sexual function and predictors of sexual dysfunction among pregnant women followed up in Primary Health Care in a city in the north of Minas Gerais.
METHODS: a cross-sectional, analytical study carried out with 1,279 pregnant women in Montes Claros/MG, between 2018 and 2019. Variable: dependent sexual satisfaction; independent variables: sociodemographic and obstetric characteristics, physical and mental health conditions and complaints during pregnancy.
RESULTS: the prevalence of sexual dysfunction was 27.4%. There was an association: between nine and 11 years of schooling (PR=1.08; 95%CI=1.03-1.14; p=0.002); or more than 11 years of schooling (PR=1.14; 95%CI=1.08-1.20; p<0.001); family income ≤ 1 minimum wage (PR=1.06; 95%CI=1.02-1.09; p<0.001); gestational complaint of dizziness (PR=1.54; 95%CI=1.23-1.92; p<0.001); low social support (PR=1.53; 95%CI=1.24-1.89; p<0.001); negative body image (PR=1.26; 95%CI=1.03-1.54; p=0.020); and presence of stress symptoms (PR=1.27; 95%CI=1.00-1.60; p<0.001).
CONCLUSION: predictors of sexual dysfunction were identified in a significant proportion in pregnant women and were associated with sociodemographic factors (years of schooling); family income; obstetric factors (gestational complaints such as dizziness); social aspects such as low support; emotional aspects (negative body image) and the presence of stress symptoms. The results indicate the need for more studies on pregnant women in order to understand the causes of sexual dysfunction and provide guidance on interprofessional actions that promote sexual and reproductive health.
Keywords:
Sexuality, Pregnancy, Quality of life, Sexual behavior, Primary health care
IntroduçãoA construção da maternidade é um dos períodos mais importantes na vida das mulheres. Entretanto esse período envolve mudanças na estrutura física, psicológica, hormonal, familiar, social, econômica e laboral, que influenciam no comportamento sexual das mulheres durante a gravidez
1 evidenciando maior vulnerabilidade para desencadeamento ou agravamento de dificuldades sexuais.
2A função sexual é um aspecto importante do bem-estar físico e emocional geral, e suas mudanças durante a gravidez podem ter um impacto na qualidade de vida da mulher. Na literatura, foi demonstrado que a função sexual feminina e a saúde sexual na gravidez geralmente diminuem e permanecem baixas no período pós parto.
3Nesse contexto, a mulher pode ficar insegura durante as relações sexuais, com receio da excitação do seu parceiro frente às mudanças decorrentes da gravidez, e, em contrapartida, o homem pode não se sentir incluído na relação mãe e filho, diante da dedicação da companheira com a gestação.
4 Ademais, a satisfação sexual feminina pode ser influenciada por múltiplos fatores psicológicos; o vínculo entre o casal, o apoio e envolvimento oferecido pelo parceiro durante o processo gestacional, os mitos, os tabus, as crenças, as questões religiosas e socioculturais do casal.
3,5,6 Outras condições, como as alterações físicas e hormonais provenientes da gestação, também podem interferir no prazer, na lubrificação e no orgasmo da mulher e comprometer a satisfação sexual.
6,7Apesar das alterações na função sexual durante a gestação afetarem a qualidade de vida das mulheres
7,8 esse é um tema escasso na literatura, pouco abordado pelos profissionais de saúde em sua prática assistencial e carece de mais investigações. Nesse sentido, este estudo tem como objetivo analisar a função sexual e os fatores preditores de disfunção sexual entre as gestantes acompanhadas na Atenção Primária à Saúde em um município no norte de Minas Gerais.
MétodosTrata-se de um estudo transversal, analítico quantitativo que faz parte da pesquisa intitulada "Estudo ALGE - Avaliação das condições de saúde das gestantes de Montes Claros – MG: estudo longitudinal", que consiste em um inquérito epidemiológico observacional de base populacional, com delineamento transversal e analítico, aninhado à coorte ALGE.
9O município cenário deste trabalho está situado na região Norte do estado de MG – Brasil. É um polo na região onde está localizado, cuja população à época era de 417.478 habitantes, com Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) médio é de 0,770 e o Índice de Gini 0,5391.
10 O município destaca-se na prestação de serviços de saúde, com a Estratégia Saúde da Família (ESF) que compõe a Atenção Primária à Saúde (APS) principal forma de organização da Atenção Básica local, com 100% da população coberta com 135 equipes de saúde da família à época da pesquisa (2018-2019). Existem os Programas de Residências em Medicina de Família e Comunidade, Residência Multiprofissional em Saúde de Família, em Saúde Mental e de Enfermagem Obstétrica, vinculados à APS com atuação nas ESF.
11A amostra foi calculada para estimar prevalência de 50%, com IC de 95% e precisão de 2%, incluindo correção para população finita (N=1.661) e acréscimo de 20% por perdas, totalizando 1.180 gestantes distribuídas proporcionalmente entre os 15 polos da ESF. Todas as gestantes foram inicialmente convidadas, e a seleção foi por sorteio aleatório simples. No total, 1.279 gestantes participaram, número superior ao mínimo, garantindo maior representatividade.
Assim, foram incluídas na amostra as gestantes que estavam regularmente cadastradas na ESF e de qualquer idade gestacional, e por sua vez, foram excluídas as mulheres que apresentavam comprometimento cognitivo e/ou transtorno mental grave, conforme relatado pela equipe da ESF ou informação do familiar e as grávidas de gemelares.
A coleta de dados foi realizada entre outubro de 2018 a novembro de 2019, por meio de entrevistas nas unidades de saúde da ESF e/ou nos domicílios das participantes, por uma equipe multiprofissional formada por profissionais das áreas de enfermagem, medicina, nutrição e educação física, além de estudantes de graduação vinculados à iniciação científica, e ocorreram de forma individual em local e horário previamente definidos com a gestante com duração média de uma hora cada entrevista.
Para a coleta de dados, utilizou-se um questionário estruturado com questões elaboradas pelos autores e com instrumentos validados, que contemplou características sociodemográficas, obstétricas, condições de saúde física e mental, além de queixas no período gestacional.
Na presente investigação foram analisadas características sociodemográficas das gestantes e utilizou-se para a coleta de dados um questionário que contemplava a variável dependente: satisfação sexual e as variáveis independentes sociodemográficas e econômicas faixa etária (até 19 anos, 20 a 35 anos, acima de 35 anos); situação conjugal (vive sem ou com companheiro/a); escolaridade (ensino fundamental, médio e superior); renda familiar (até dois salários mínimos ou mais que dois salários mínimos); ocupação, apoio social (alto apoio social ou baixo apoio social).
A avaliação da satisfação sexual foi realizada por meio do Quociente Sexual – Versão Feminina (QS-F), um instrumento desenvolvido no Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) da Universidade de São Paulo.
12 O QS-F consiste em 10 perguntas, organizadas em uma escala
Likert de 0 a 5, distribuídas em cinco áreas específicas: desejo e interesse sexual (questões 1, 2 e 8); preliminares (questão 3); excitação pessoal e harmonia com o parceiro (questões 4 e 5); conforto (questões 6 e 7); e orgasmo e satisfação (questões 9 e 10). Para obter o índice total, a soma das 10 respostas é multiplicada por dois, resultando em um valor que varia de 0 a 100, onde valores mais altos indicam uma maior satisfação e desempenho sexual.
Já para avaliar o apoio social, foi aplicada a escala
Medical Outcome Studies (MOS), que contém 19 questões, em que o participante indicava com que frequência considerava cada tipo de apoio: nunca (0), raramente (1), às vezes (2), quase sempre (3) e sempre (4). O instrumento contempla cinco dimensões do apoio social: material (quatro perguntas: provisão de recursos práticos); afetivo (três perguntas: demonstrações físicas de amor e afeto); emocional (quatro perguntas: expressões de compreensão e sentimentos de confiança); interação social positiva (quatro perguntas: disponibilidade de pessoas para se divertirem e relaxarem) e informação (quatro perguntas: disponibilidade de pessoas para a obtenção de conselhos ou orientações). Quanto mais próximo de 100 for o escore final, melhor o apoio social. O escore geral da escala foi calculado pela soma total dos 19 itens e se considerou como alto apoio social o resultado acima de 66, que corresponde ao segundo tercil.
13Para a Imagem corporal buscou-se avaliar as atitudes corporais das gestantes, aplicou-se o
Body Attitudes Questionnaire (BAQ), instrumento validado no Brasil por Scagliusi
et al. O instrumento tem 44 itens em escala de
Likert com cinco opções de resposta ("Concordo totalmente" até "Discordo totalmente"). O escore total do BAQ deu-se pela soma das pontuações de cada item. Esse valor varia de 44 a 220 pontos, sendo que quanto maior o escore obtido, maior a insatisfação com a imagem corporal sobre as seis subescalas: "atração física", "autodepreciação", "gordura total", "saliência do corpo", "percepção da gordura da porção inferior do corpo" e "força e aptidão física".
14As características obstétricas investigadas foram o trimestre gestacional (1º, 2º e 3º), o planejamento da gravidez atual (sim ou não) e a paridade (nulípara, primípara ou multípara). Foram averiguadas as seguintes condições de saúde autorrelatadas: infecção urinária, diabetes gestacional, anemia, hemorragia, síndromes hipertensivas na gestação (SHG) e enxaqueca. Também se pesquisou a presença das principais queixas no período gestacional: relativas ao sono; cardiovasculares (edema, epistaxe, hemorroidas, palpitação, sangramento gengival, varizes); cutâneas (cloasmas, estrias); gastrointestinais (constipação, dor abdominal, eructação, náuseas, pirose, vômito, salivação); mamárias (mastalgia); musculoesqueléticas (câimbras, lombalgias); neurológicas (dor de cabeça, parestesias); respiratórias (falta de ar, obstrução nasal); fraqueza, tontura e desmaios. Tais condições e queixas foram abordadas por estarem entre as principais condições de risco na gravidez, com base em recomendações do Ministério da Saúde brasileiro para atenção ao pré-natal de baixo risco na (APS).
15As condições de saúde mental examinadas foram os sintomas de ansiedade (baixo ou alto nível) e o nível de estresse (baixo nível e alto nível). Para análise do nível de ansiedade foi adotada a versão curta do
Brazilian State-Trait Anxiety Inventory (STAI) - "Inventário de Ansiedade Traço-Estado" (IDATE) em sua versão validada no português brasileiro.
16 O IDATE fornece uma medida confiável para dois componentes da ansiedade: estado e traço. No IDATE a pessoa descreve como se sente "agora, neste momento" em relação aos seis itens apresentados em uma escala
Likert de quatro pontos: 1 (absolutamente não); 2 (um pouco); 3 (bastante); 4 (muitíssimo). No IDATE-traço o participante responde como "geralmente se sente" para os seis itens restantes, que são dispostos de acordo com uma nova escala
Likert de quatro pontos: 1 (quase nunca); 2 (às vezes); 3 (frequentemente); 4 (quase sempre). As pontuações das perguntas positivas são invertidas, ou seja, as de número 1, 3 e 5 no IDATE-estado e 1, 3 e 6 no IDATE-traço. Os escores são obtidos pela soma das respostas, sendo 6 a pontuação mínima e 24 a máxima, tanto para estado quanto para traço. Por não existir um ponto de corte para a forma reduzida, e pelo fato da média e mediana do IDATE-traço, no presente estudo, terem valores aproximados, essa variável foi dicotomizada, pela mediana por ser um número inteiro. Aquelas gestantes com valor abaixo foram classificadas em "baixo nível de ansiedade" e acima "alto nível de ansiedade".
16O nível de estresse foi averiguado por intermédio da Escala de Estresse Percebido (
Perceveid Stress Scale, PSS-14),
17 traduzida e validada para a população brasileira, que identifica situações na vida do indivíduo avaliadas como estressantes, estabelecendo níveis de intensidade. Essa escala é composta por 14 itens que avalia a frequência em que determinados sentimentos e pensamentos ocorreram no último mês, com respostas variando de zero (nunca) a quatro (sempre). O escore da escala PSS-14 é obtido revertendo-se os escores dos itens positivos e somando-se as respostas dos 14 itens, com o escore total variando de zero (sem sintomas de estresse) a 56 (sintomas de estresse extremo). Para classificar as gestantes quanto ao nível de estresse percebido, os escores da escala PSS-14 foram dicotomizados em <28 e ≥28 tendo o ponto de corte definido pelo percentil 75. As gestantes com escores <28 foram classificadas com baixo nível de estresse e aquelas com escores ≥28 com nível de estresse elevado.
17Utilizou-se o programa estatístico SPSS versão 22.0 (SPSS
® IBM
® Inc., Chicago, USA). Foram calculados os valores absolutos e relativos das variáveis categóricas. Na análise de associação entre a variável dependente e as demais variáveis aplicou-se o teste qui-quadrado de Pearson, seguido do cálculo de Razão de prevalência e seus respectivos intervalos de confiança de 95%. Foi realizada regressão de Poisson com variância robusta, selecionando as variáveis que apresentaram na análise bivariada o nível de significância de até 20%. No modelo final, permaneceram aquelas que apresentaram nível de significância de 5%.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Montes Claros com o Parecer Consubstanciado nº 2.483.623/2018, CAAE 80957817.5.0000.5146.
ResultadosParticiparam do estudo 1.279 gestantes assistidas na APS, a maioria tinha mais que 30 anos de idade (51,3%), apresentava entre nove a 11 anos de estudo (64,9%) e vivia com companheiro (72,3%). Além disso, mais da metade tinha uma renda bruta familiar maior que um salário mínimo (76,7%) e não trabalhava fora do lar (56,4%).
Conforme apresentado na Tabela 1, verificou-se que 27,4% das gestantes relataram ter disfunção sexual. Analisando individualmente cada domínio, observou-se que a maioria delas afirmou ter desejo e interesse sexual (96,9%), aumento da satisfação como preliminares (96,1%), excitação pessoal e sincronia com o parceiro (96,4%). Ainda, um total de 96% das gestantes citou ter conforto, orgasmo e satisfação presentes.
A Tabela 2 apresenta os fatores associados à disfunção sexual nas gestantes avaliadas. No primeiro modelo de associação, observou-se que quase todos os fatores analisados apresentaram níveis descritivos significativos (
p<0,001) em relação à variável desfecho. Após ajustes no modelo, identificaram-se fatores socioeconômicos, obstétricos, sociais e emocionais com influência significativa na prevalência de disfunção sexual. Os fatores associados incluem: ter entre nove a 11 anos de estudo (RP=1,08; IC95%=1,03-1,14;
p=0,002) ou mais do que 11 anos de estudo (RP=1,14; IC95%=1,08-1,20;
p<0,001); renda familiar ≤1 salário mínimo (RP=1,06; IC95%=1,02-1,09;
p<0,001); queixa gestacional de tontura (RP=1,54; IC95%=1,23-1,92;
p<0,001); baixo apoio social (RP=1,53; IC95%=1,24-1,89;
p<0,001); imagem corporal negativa (RP=1,26; IC95%=1,03-1,54;
p=0,020); presença de sintomas de estresse (RP=1,27; IC95%=1,00-1,60;
p<0,001).
DiscussãoEste estudo evidenciou que mais de um quarto das gestantes analisadas apresentou alta prevalência disfunção sexual, desfecho que esteve associado a fatores sociodemográficos (anos de estudo); renda familiar; fatores obstétricos (queixas gestacionais como a tontura); aspectos sociais como o baixo apoio; aspectos emocionais (imagem corporal negativa) e a presença de sintomas de estresse.
No contexto nacional, uma pesquisa realizada em Aracaju–SE, no Centro de Referência da Mulher e em uma Unidade Básica de Saúde verificou a prevalência de disfunção sexual em 31,7% das gestantes acompanhadas.
6 Outros três estudos internacionais, realizados com mulheres grávidas no Iran, no Arizona e no Líbano, embora tenham utilizado outros instrumentos de avaliação, são consistentes com as investigações que objetivaram avaliar a satisfação sexual de gestantes e os fatores envolvidos que poderiam afetar a sexualidade na gestação.
18,19,20 Há que se considerar que as distintas prevalências da disfunção sexual nas populações podem ser atribuídas a diferenças no processo metodológico aplicado na investigação desta condição, como também às particularidades das etnias, das demografias e dos aspectos socioeconômicos e culturais.
Ao analisar os domínios que compõem a satisfação sexual, investigados no presente estudo, verificou semelhanças entre os domínios com maiores percentuais de insatisfação e o domínio com o menor percentual de satisfação sexual. Pesquisas realizadas com gestantes no Ceará e em Recife também evidenciaram a presença de alterações na função sexual de gestantes, com a redução na maioria dos domínios da satisfação sexual.
2,4 Quanto aos domínios mais afetados, resultados diferentes foram encontrados em estudo com 358 participantes, sendo gestantes e não gestantes.
21Nesse estudo, o desejo e excitação, foram os domínios mais prejudicados da função sexual. Juntos, esses resultados demonstram que os domínios da função sexual podem sofrer influências, por diferentes aspectos da vida das mulheres.
21 Em relação ao domínio "Preliminares", estudo corrobora com os resultados apresentados e pontua sobre a redução das preliminares nas atividades sexuais durante a gestação. Entende-se que a sexualidade é um processo complexo que é moldado pela cultura à qual o indivíduo pertence e pelas condições sociais em que ele/ela vive.
22 Nesse sentido, a educação sexual deve ser realizada por profissionais capacitados em abordagens individuais ou com o casal a fim de auxiliar e a promover comportamentos adaptativos na gestação.
2A respeito do domínio "orgasmo e satisfação", pode-se considerar que são facilitados pela inclusão do desejo sexual, da autoestima sexual, da comunicação aberta sobre a vida sexual com o parceiro, da capacidade de concentração durante o ato sexual, da iniciativa mútua de se relacionar sexualmente e das habilidades sexuais do parceiro.
23 Os achados desse estudo são semelhantes aos resultados encontrados por outra pesquisa que apontou predominância na diminuição dos domínios sexuais (desejo, excitação, orgasmo) e dos correlatos psicofísicos (lubrificação e satisfação sexual).
2Além dos domínios, os fatores sociodemográficos foram associados à disfunção sexual nas gestantes. A escolaridade acima de oito anos de estudo se mostrou um fator protetor para a ocorrência deste desfecho. Estudos corroboram que mulheres com maior nível educacional tendem a possuir mais conhecimento sobre saúde sexual, além de maior capacidade de comunicação com profissionais de saúde e seus parceiros.
3,18 A maior escolaridade também está associada a uma atitude mais positiva em relação à sexualidade e à superação de mitos e tabus, facilitando a adaptação às mudanças fisiológicas durante a gestação.
8 Portanto, é possível sugerir que mulheres com maior escolaridade apresentam uma melhor compreensão das alterações corporais e de como essas podem impactar a sexualidade, reduzindo o risco de disfunção sexual.
18A maior prevalência da disfunção sexual foi verificada entre gestantes que têm renda familiar de até um salário mínimo. Estudo
4 destaca que fatores socioeconômicos são fundamentais para a saúde sexual durante a gestação e que mulheres de baixa renda frequentemente enfrentam dificuldades no acesso a serviços de saúde adequados, o que inclui suporte emocional e orientações satisfatórias sobre sexualidade no pré-natal, aumentando o risco de disfunção sexual. Ademais, estresse relacionado à situação financeira e a falta de suporte adequado podem interferir na capacidade da mulher se engajar plenamente nas relações sexuais.
Outro fator, associado a disfunção sexual em gestantes, foi o baixo apoio social. Este achado é consistente com os resultados sustentados por outras pesquisas ao observarem que gestantes com menor apoio social apresentavam maior prevalência de disfunção sexual, especialmente na redução do desejo e na dificuldade em alcançar o orgasmo.
24,25 O apoio social é determinante crítico para a saúde sexual durante a gestação
4 e a ausência de suporte social adequado pode agravar o estresse, aumentando os impactos negativos na função sexual.
26Ao avaliar os fatores obstétricos, verificou-se maior prevalência de disfunção sexual entre as gestantes com queixas gestacionais de tontura. Diferentes queixas gestacionais, associadas a disfunção sexual, foram encontradas na literatura e os estudos identificaram que, sintomas como fadiga, mal-estar e o aumento do volume corporal estavam associados a uma redução na satisfação e no desejo sexual.
25,26Esses sintomas podem prejudicar o bem-estar geral, afetando diretamente a disposição física e mental das gestantes para o envolvimento sexual. As queixas gestacionais podem reduzir a energia para atividades físicas, incluindo a sexualidade e podem estar associadas a outras condições clínicas, que comprometem o bem-estar físico e emocional da mulher além de aumentar a sensação de vulnerabilidade e insegurança corporal, o que interfere na capacidade de relaxar e aproveitar as relações sexuais.
23 A disfunção sexual também foi associada à presença de imagem corporal negativa. Em concordância, um estudo transversal, analítico, realizado com gestantes no serviço de maternidade em Tacna, no Peru, apontou que mulheres que experimentaram mudanças corporais durante a gestação e tinham uma percepção negativa de suas formas corporais relataram maior incidência de disfunção sexual, especialmente na diminuição do desejo e satisfação sexual.
24,25,26 Uma pesquisa que investigou a imagem corporal e a função sexual de mulheres grávidas turcas e seus parceiros, verificou que a percepção da imagem corporal das mulheres difere por trimestres, tornando-se mais negativa no terceiro trimestre, mesmo período que a disfunção sexual aumentou entre as mulheres e seus parceiros.
27No cenário científico, é evidente que a imagem corporal negativa afeta diretamente a autoestima e o bem-estar emocional das mulheres, o que impacta a função sexual. Mulheres que têm percepções negativas de suas mudanças corporais durante a gravidez podem se sentir menos atraentes e mais desconfortáveis com o próprio corpo, o que gera sentimento de evitar o contato físico e menos envolvimento nas relações sexuais.
26,27A literatura internacional aponta também para a presença de sintomas de estresse associados à disfunção sexual em gestantes, tendo essa condição sida mais evidenciada no terceiro trimestre.
26,27 Estudo analítico transversal, com 346 mulheres atendidas na maternidade de Tacna, no Peru observou que mulheres que experimentaram altos níveis de ansiedade e estresse durante a gestação relataram maior incidência de disfunção sexual, e destacaram que o estresse afeta diretamente a função sexual ao alterar a libido e reduzir o prazer sexual.
25A associação estresse e disfunção sexual ocorre porque o estresse eleva os níveis de cortisol, um hormônio que, cronicamente elevado, pode interferir na resposta sexual ao causar fadiga, diminuição do desejo e dificuldades na excitação e orgasmo.
28 Além disso, o estresse pode agravar preocupações sobre a gestação e sobre o corpo, contribuindo para uma imagem corporal negativa e um ciclo de ansiedade, prejudicando ainda mais a função sexual.
Este estudo mostrou que, a prevalência de disfunção sexual entre as gestantes é um fator relevante de avaliação, considerando os diversos impactos que essa condição pode ter na qualidade de vida e na função sexual da mulher durante a gestação. Esse fator pode estar associado a múltiplos aspectos de saúde física e mental, prejudicando não apenas o bem-estar emocional, mas também as relações interpessoais da mulher. Ademais, durante a gestação, as mudanças hormonais e corporais são intensas, o que pode agravar problemas de autoestima e de percepção do corpo, contribuindo para uma piora na função sexual.
25,27Apesar disso, a qualidade da sexualidade durante a gravidez é frequentemente negligenciada, e há uma necessidade urgente de intervenções.
24 Pesquisas sublinham a importância da educação e do aconselhamento sobre sexualidade no cuidado pré-natal. As gestantes que participaram de programas educacionais sobre sexualidade apresentaram melhor compreensão e gestão de suas experiências sexuais durante a gravidez, resultando em maior satisfação sexual.
2,29,30 Além disso, a realização de ações de promoção para a saúde da gestante, com ênfase no pré-natal, é crucial para o bem-estar geral dessas mulheres.
No contexto da ESF, é essencial que os profissionais estejam atentos a esses aspectos e ofereçam um espaço seguro para discussões sobre sexualidade. A abordagem multidisciplinar e o apoio emocional podem ajudar a mitigar os efeitos da disfunção sexual, proporcionando uma gestação mais saudável e harmoniosa.
30 Estudos indicam que o apoio adequado e o aconselhamento especializado durante o pré-natal têm um papel fundamental na promoção da saúde sexual.
25,26Em conjunto, os achados desta pesquisa propiciam a discussão de uma temática ainda muito escassa no cenário nacional. Ademais, trata-se de um estudo de base populacional, com um número expressivo, o que reforçou as associações identificadas.
O presente estudo possui limitações, quanto ao viés recordatório, visto que os questionários foram aplicados durante o período de gestação, o que pode ter alterado o relato de algumas mulheres, por não se lembrar de todos os motivos que levam a não exercer a sexualidade, junto às questões culturais e comportamentais, físicas e emocionais, próprias da gestação. Outro viés foi o fato de participarem apenas usuárias do SUS, portanto, pertencentes a um grupo demográfico específico. Há que se considerar também o uso do autorrelato, que pode ter influência do viés de memória. Para minimizar esta ocorrência foram utilizados instrumentos validados.
Conclui-se que a ocorrência de disfunção sexual foi identificada em uma parte expressiva das gestantes acompanhadas pelas equipes da ESF da cidade de Montes Claros. Os resultados sugerem que esse desfecho pode estar associado a fatores sociodemográficos, relacionados aos anos de estudo e a renda familiar, a aspectos obstétricos, evidenciado pela queixa gestacional de tontura, a aspectos sociais, como a falta de apoio social e a aspectos emocionais ligados a imagem corporal, ansiedade e estresse. Compreender esses problemas pode ajudar os profissionais de saúde a planejar práticas ou intervenções de saúde para lidar com eles e, ao fazê-lo, impactar positivamente a saúde sexual das mulheres gestantes.
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Contribuição dos autores: Oliva ALC: desenho do artigo, armazenamento e recolha de dados, participação na análise e interpretação de dados, redação do manuscrito, revisão, discussão dos resultados, revisão do manuscrito.
Bacelar Tibães HB: desenho do artigo, armazenamento e recolha de dados, participação na análise e interpretação de dados, redação do manuscrito, revisão, discussão dos resultados, revisão do manuscrito. Supervisão de todas as atividades.
Taffarel GG, Souza Filho JWF, Silva BRG: desenho do artigo, armazenamento e recolha de dados, participação na análise e interpretação de dados, redação do manuscrito, revisão, discussão dos resultados.
Brito MFSF: desenho do artigo, armazenamento e recolha de dados, participação na análise e interpretação de dados, redação do manuscrito, revisão, discussão dos resultados, revisão do manuscrito. Supervisão e administração de projeto.
Rodrigues CAO: armazenamento e recolha de dados, análise e interpretação de dados, revisão, discussão dos resultados e revisão do manuscrito.
Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.
Recebido em 25 de Novembro de 2024
Versão final apresentada em 14 de Abril de 2025
Aprovado em 23 de Abril de 2025
Editor Associado: Ricardo Cobucci