Publicação Contínua
Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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Fatores associados à longa permanência hospitalar para recém-nascidos prematuros

Micheline Soares Diniz Menezes1; Jady Emanuelle Santos Rodrigues2; Iuri Pedro Mendonça3; Antônio Prates Caldeira4

DOI: 10.1590/1806-9304202500000243 e20240243

RESUMO

OBJETIVOS: identificar fatores associados à longa permanência hospitalar entre recém-nascidos prematuros.
MÉTODOS: trata-se de estudo de coorte retrospectivo, conduzido em ambulatório de seguimento de recém-nascidos de alto risco do norte de Minas Gerais. Todas as morbidades do grupo foram registradas segundo a classificação de prematuridade. Longa permanência foi definida a partir do último quartil dos tempos, em dias de permanência, para o grupo avaliado. As variáveis associadas à longa permanência foram definidas por análises bivariadas seguidas de regressão logística binária, permanecendo no modelo final apenas as variáveis com nível de significância de 5%.
RESULTADOS: participaram deste estudo 293 recém-nascidos, sendo 56,6% do sexo masculino. A idade gestacional variou de 24 a 36 semanas, sendo 25,3% prematuros extremos. As principais morbidades foram referentes a distúrbios respiratórios e infecciosos. A longa permanência foi registrada para 25,9% dos prematuros e os fatores associados foram idade gestacional (p<0,001), peso ao nascimento (p<0,001), sepse tardia (p<0,001) e enterocolite necrosante (p=0,036).
CONCLUSÃO: os fatores associados à longa permanência destacam a necessidade de maior vigilância aos cuidados pré-natais, com acompanhamento seguro da gestação e prevenção da prematuridade, e pós neonatais, com maior cuidado à prevenção de infecções nosocomiais.

Palavras-chave: Recém-nascido prematuro, Morbidade, Tempo de internação, Unidades de terapia intensiva neonatal

ABSTRACT

OBJECTIVES: to identify factors associated with long hospital stays among preterm newborns.
METHODS: this is a retrospective cohort study, conducted in an outpatient clinic monitoring high-risk newborns in Northern Minas Gerais. All morbidities in the group were recorded according to the prematurity classification. Long stay was defined based on the last quartile of times, in days of stay, for the group evaluated. The variables associated with long hospital stay were defined using bivariate analysis followed by binary logistic regression, with only variables with a significance level of 5% remaining in the final model.
RESULTS: 293 newborns participated in this study, 56.6% of whom were male. The gestational age of the group ranged from 24 to 36 weeks, and 25.3% were extremely preterm. The main morbidities were related to respiratory and infectious disorders. Long stays were recorded for 25.9% of preterm newborns and the associated factors were gestational age (p<0.001), birth weight (p<0.001), late-onset sepsis (p<0.001) and necrotizing enterocolitis (p=0.036).
CONCLUSION: the factors associated with long stays highlight the need for greater vigilance in prenatal care, with safe monitoring of pregnancy and prevention of prematurity, and post-natal care, with strict surveillance in the prevention of nosocomial infections.

Keywords: Infant premature, Morbidity, Length of stay, Neonatal intensive care units

Introdução

A prematuridade representa a principal causa de óbito infantil em várias partes do mundo, incluindo o Brasil e, por isso, deve ser motivo de vigilância constante. O risco de óbito para o recém-nascido (RN) prematuro é variável segundo alguns fatores, incluindo a classificação da prematuridade.1 Com base na idade gestacional, o RN pode ser considerado como prematuro extremo (menos de 28 semanas), muito prematuro (28 a 31 semanas) e prematuro moderado a limítrofe ou tardio (32 a 36 semanas).2,3

As primeiras semanas de vida para RN prematuros, especialmente para os de muito baixo peso e/ou mais prematuros, são marcadas pelo risco de intercorrências devido à grande fragilidade desse grupo, que necessita de cuidados especializados nessa fase crítica, que pode ter implicações por toda vida.3 As intercorrências e complicações mais prevalentes para os recém-nascidos de baixo peso são as respiratórias, cardíacas, neurológicas e infecciosas.1-4 Nesse contexto, as Unidades de Terapia Intensiva Neonatais (UTIN) têm desempenhado um papel cada vez mais consistente em diminuir a morbimortalidade infantil, e sua ausência pode ter danosas implicações.5 Nas UTIN, busca-se proporcionar a devida vigilância, tratamento e cuidados aos recém-nascidos de alto risco, sobretudo aos prematuros que apresentam alguma necessidade especial de cuidado ou tratamentos de alta complexidade.

O limite de viabilidade tem sido registrado para situações de recém-nascidos com idades gestacionais cada vez mais baixas, o que implica em maiores riscos para esse grupo e uma permanência hospitalar prolongada dentro da UTIN.1-3 Não é raro que algumas intercorrências ou morbidades que surgem nas UTIN evoluam com sequelas ou necessidade de acompanhamento após a alta hospitalar.5-7 Para manutenção dos cuidados aos RN após alta das UTIN, o acompanhamento dos RN egressos dessas unidades tem sido realizado em ambulatórios especiais, com equipes multidisciplinares. Os resultados observados por essas equipes dos ambulatórios de seguimento de RN de alto risco podem configurar-se como um feedback adequado e oportuno aos profissionais e serviços das UTIN. Todavia, a literatura nacional não dispõe de muitos estudos sobre o tema.8

O tempo de permanência do prematuro em UTIN é um aspecto relevante no cuidado pós-alta e uma variável pouco estudada.5,9,10 Os impactos de um tempo prolongado de internação na UTIN são muitos. Incluem desde as consequências diretas da exposição do neonato a um ambiente de muito ruído, com luz intensa e sob risco de infecções adquiridas11 até interferências nas relações parentais com um longo distanciamento da família, comprometimento do aleitamento materno e aumento dos custos hospitalares.12

Para alguns autores, aspectos fundamentais dos cuidados com o prematuro podem interferir na duração da permanência hospitalar para além do que seria esperado em função da prematuridade.5,9,10,13 Este estudo objetivou caracterizar o perfil de morbidade hospitalar e identificar os fatores associados à longa permanência em UTIN para RN prematuros acompanhados em ambulatório de alto risco no norte de Minas Gerais.


Métodos

Trata-se de um estudo de coorte retrospectivo desenvolvido no ambulatório de seguimento de RN de alto risco que atende os egressos das UTIN de Montes Claros, cidade polo do norte de Minas Gerais. A região tem uma grande extensão territorial, maior que vários estados brasileiros, abrange mais de 80 municípios e possui um único ambulatório de seguimento para recém-nascidos de alto risco que, por vezes, permanecem por longos períodos nas UTIN. As crianças são inseridas no ambulatório, após alta das UTIN, a partir do encaminhamento com detalhamento das condições de nascimento e histórico da permanência hospitalar e são acompanhados por equipe multiprofissional.

A população do estudo foi constituída por recém-nascidos prematuros admitidos para acompanhamento no ambulatório de seguimento período de março de 2014 a julho de 2018, independentemente do peso ao nascer. Foram considerados critérios de inclusão: idade gestacional registrada em prontuário inferior a 37 semanas. Foram excluídas as crianças portadoras de malformações graves e residentes em outras cidades. Para o cálculo amostral, seguindo modelos estatísticos,14 considerou-se um nível de confiança de 95%, um poder do estudo de 80%, uma relação expostos/não expostos de 1:3 e razão de riscos estimada igual a dois, o que definiu um número mínimo de 290 neonatos para acompanhamento.

A coleta dos dados foi conduzida por estudantes de medicina, supervisionados por uma médica neonatologista e o formulário de coleta de dados, físico e estruturado, que foi especialmente desenvolvido para este estudo, contendo informações referentes às condições de gestação e parto (hipertensão arterial materna, diabetes ou infecção do trato urinário, uso de corticoide pré-natal, idade gestacional, sexo do recém-nascido, peso ao nascimento, seguindo a classificação que estabelece baixo peso extremo abaixo de 1000 gramas, muito baixo peso entre 1000 e 1499 gramas e baixo peso de 1500 a 2499 gramas15 e reanimação em sala de parto), intercorrências/morbidades registradas durante a permanência na UTIN (registro de apneias, displasia broncopulmonar, sepse precoce e tardia, hemorragia intracraniana (HIC), enterocolite necrosante (ECN) e instabilidade hemodinâmica).

Apneias foram definidas a partir de pausas respiratórias com repercussão na frequência cardíaca ou na saturação, registrada pela equipe assistencial.16 A displasia broncopulmonar foi definida para neonatos com necessidade de utilização de oxigenioterapia suplementar por período igual ou superior a 28 dias ou 36 semanas de idade gestacional corrigida.17 A sepse precoce foi definida a partir do diagnóstico registrado em prontuário para quadro clínico compatível cujo início ocorreu nas primeiras 72 horas de vida; e sepse tardia para o diagnóstico registrado a partir de 72 horas de vida.18 O registro de sepse foi assumido a partir do diagnóstico médico e tratamento realizado, independentemente do resultado de hemoculturas. Hemorragias intracranianas foram registradas a partir do diagnóstico e registro de laudos de imagens. Enterocolite necrosante foi aferida a partir do registro em prontuários e a instabilidade hemodinâmica foi considerada para os casos em houve necessidade de aminas vasoativas.

A variável resposta foi a longa permanência. Trata-se de uma variável pouco explorada na literatura e ainda sem uma definição padronizada. Para o presente estudo, o tempo de estadia na UTIN de todos os recém-nascidos avaliados foi distribuído em quartis, definindo-se como longa permanência o tempo de estadia dentro do último quartil.9,10

Após a coleta dos dados, utilizou-se o software IBM-SPSS for Windows versão 22.0 para digitação, processamento e análise dos resultados. Foi realizada a distribuição de frequência das principais variáveis e morbidades registradas segundo idade gestacional e análise da distribuição por meio do teste qui-quadrado de Pearson, assumindo-se um nível de significância de 5% (p<0,05). As variáveis associadas à longa permanência foram definidas a partir de análise bivariada, seguida de análise de regressão logística binária. Para a análise múltipla foram consideradas as variáveis que, nas análises bivariadas, se mostraram associadas até o nível de 20% (p<0,20), sendo que no modelo final foram mantidas apenas as variáveis com nível de significância de 5% (p<0,05), com registro das respectivas Odds Ratio e intervalos de confiança de 95%.

O projeto de pesquisa, base das informações aqui apresentadas, foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), conforme o parecer nº 1.800.915.


Resultados

Participaram do estudo 293 recém-nascidos. A maior parte do grupo era do sexo masculino (n=163; 55,6%), prematuros moderados ou limítrofes, com idade gestacional de 32 a 36 semanas (n=148; 50,5%). Sobre as condições gestacionais e de nascimento, o uso de corticoide anteparto ocorreu em 134 mães (45,7%), o tipo de parto mais frequente foi cesáreo (64,3%) e 56 neonatos (19,1%) necessitaram de manobras de reanimação em sala de parto.

As morbidades e intercorrências mais frequentes durante a permanência em UTIN foram: Síndrome do Desconforto Respiratório - SDR (93,9%), sepse precoce (48,1%), apneia (39,2%), sepse tardia (21,5%), displasia broncopulmonar (21,2%) e instabilidade hemodinâmica (20,5%). A distribuição das principais condições e intercorrências clínicas, segundo a idade gestacional está apresentada na Tabela 1, que registra também todas as condições ou intercorrências mais comuns que estiveram estatisticamente associadas à idade gestacional.
 



A permanência em UTIN para o grupo avaliado variou de três a 347 dias, com mediana de 37 dias. No total de RN, 76 (25,9%) apresentaram período de permanência igual ou superior a 63 dias (último quartil para o total de dias de hospitalização), definindo longa permanência na UTIN. A Tabela 2 apresenta os resultados das análises bivariadas entre características do recém-nascido e condições de gestação e nascimento e a longa permanência.
 


Nessa etapa, as variáveis que se mostraram estatisticamente associadas foram: idade gestacional <28 semanas (OR=205,92; IC95%=56,55-749,82; p<0,001); idade gestacional de 28 a 31 semanas (OR=14,19; IC95%=5,12-39,36; p<0,001); peso ao nascimento <1.000g (OR=84,01; IC95%=31,33-225,28; p<0,001); peso ao nascimento de 1.000 a 1.499 g (OR=5,86; IC95%=2,47-13,94; p<0,001); reanimação em sala de parto (OR=2,67; IC95%=1,45-4,92; p=0,001) e uso de corticoide materno (OR=3,05; IC95%=1,76-5,26; p<0,001).

A Tabela 3 apresenta a associação entre morbidades e intercorrências mais frequentes entre os recém-nascidos acompanhados e a longa permanência. Nessa etapa de análises bivariadas, todas as morbidades e intercorrências se mostraram associadas à longa permanência: Uso de surfactantes (OR=6,03; IC95%=3,42-10,63; p<0,001); Convulsões (OR=8,07; IC95%=2,45-26,57; p<0,001); Apneias (OR=4,15; IC95%=2,39-7,21; p<0,001); Displasia Broncopulmonar (OR=8,89; IC95%=4,76-16,59; p<0,001); Sepse precoce (OR=2,87; IC95%=1,66-4,98; p<0,001); Sepse tardia (OR=6,33; IC95%=3,46-11,59; p<0,001); HIC (OR=4,19; IC95%=2,02-8,66; p<0,001); ECN (OR=4,77; IC95%=1,95-11,68; p<0,001) e Instabilidade hemodinâmica (OR=3,70; IC95%=2,03-6,74; p<0,001).
 



Após análise múltipla as variáveis: idade gestacional, tanto menor de 28 semanas (OR=56,88; IC95%=11,27-286-97; p<0,001), como de 28 a 31 semanas (OR=7,67; IC95%=2,35-25,01; p=0,001); o peso ao nascimento, tanto o menor de 1000g (OR=10,21; IC95%=2,84-36,63; p<0,001), como de 1000g a 1499g (OR=9,61; IC95%=3,38-27,32; p<0,001); a sepse tardia (OR=6,10; IC95%=2,45-15,19; p<0,001) e o registro de enterocolite necrosante (OR=3,97; IC95%=1,09-14,40; p=0,036) mantiveram associação estatisticamente significante com a longa permanência (Tabela 4).
 



Discussão

Este estudo permitiu caracterizar o perfil de morbidade hospitalar de prematuros em UTIN no norte de Minas Gerais, revelando que os problemas respiratórios e infecciosos representam as afecções mais comuns. Observou-se ainda que existe uma associação importante entre a frequência desses problemas e a idade gestacional, numa relação inversa. Esses achados estão em consonância com a literatura.4,7,13,19,20

A literatura nacional e internacional registra que os distúrbios respiratórios representam a principal morbidade em UTIN, seguidos de condições infecciosas e apontando ainda a ocorrência de problemas cardíacos e metabólicos.4,7,11 Existem destaques ainda para a ocorrência de displasia broncopulmonar, hemorragia intracraniana e enterocolite necrosante,7 também registradas neste estudo. Os resultados deste estudo apontam uma associação estatisticamente significante entre as principais morbidades observadas e a classificação da idade gestacional. Dados distintos foram registrados na China,7 onde os autores observaram maior ocorrência de algumas afecções entre prematuros moderados (entre 29 e 32 semanas), o que, para o referido estudo, é justificado pelo elevado número de prematuros que recebem alta sem autorização médica, com poucos dias de vida, a pedido da família, situação que não é registrada no Brasil.

Em uma coorte realizada em 25 hospitais nos Estados Unidos, os autores destacam a ocorrência de intercorrências como HIC, convulsões, enterocolite necrosante, displasia broncopulmonar, além de desconforto respiratório, apontando que a frequência de todas as morbidades reduz de forma significativa após as 32 semanas de idade gestacional.21

A identificação e reconhecimento das principais morbidades para neonatos prematuros é importante considerando que algumas são evitáveis e que o tratamento adequado e oportuno pode interferir favoravelmente na vida futura dessas crianças. Em estudo realizado em Israel, os autores avaliaram o impacto de morbidades neonatais mais frequentes sobre o crescimento pós-natal, registrando que síndrome do desconforto respiratório, displasia broncopulmonar, enterocolite necrosante, persistência do canal arterial e hemorragia intraventricular são afecções comuns para neonatos com peso de nascimento abaixo de 1.500g e que interferem de forma significativa no crescimento extrauterino.20 Um estudo de seguimento realizado nos Estados Unidos concluiu que prematuros sobreviventes de afecções como enterocolite necrosante, sepse, HIC e displasia Broncopulmonar apresentam elevadas taxas de reinternações e atraso do desenvolvimento neuropsicomotor.19

Em relação aos fatores associados à longa permanência em UTIN, este estudo revelou que menor idade gestacional, menor peso ao nascimento, sepse tardia e enterocolite necrosante estão intimamente associados ao maior tempo de hospitalização, destacando que aspectos relacionados ao cuidado com o prematuro interferem no tempo de permanência na UTIN, além da prematuridade em si. Sobre esses achados, é pertinente destacar que a literatura não define um tempo máximo de permanência em UTIN, e tampouco define o que seria uma longa permanência para neonatos prematuros. Particularmente no Brasil, poucos estudos abordam o tempo de hospitalização no período neonatal.4,22,23

Em duas revisões sistemáticas sobre o tema,9,10 os autores destacam a importância de padronização de conceitos, especialmente diante do aumento da sobrevivência neonatal nos últimos anos. Esse fato implica uma maior utilização de cuidados neonatais de longo prazo, e consequente aumento do número total de dias de cuidados. Em alguns dos estudos identificados, a duração da internação foi aferida a partir da idade pós-menstrual, e os pesquisadores definem alta tardia quando ela ocorre após 42 semanas de idade gestacional. Em outros, os autores categorizaram a longa duração a partir de 21 dias de permanência e em outros ainda, a partir do último quartil do período de internação.9,10 Neste estudo, a opção de utilizar o último quartil foi assumida, considerando tratar-se de uma condição que estabelece a comparação entre os cuidados e as condições locais para todos os prematuros.

Um estudo, que avaliou os fatores perinatais e pós-natais que influenciam o tempo de internação em RN prematuros (25-33 semanas de gestação) admitidos nas UTIN na Índia, concluiu que o tempo de internação foi acrescido em nove dias para cada semana de gestação a menos do tempo comum de gestação, bem como o aumento do tempo de internação pela presença de morbidades como síndrome do desconforto respiratório, displasia broncopulmonar e sepse.24 Em um estudo americano, os autores concluíram que a duração da internação neonatal diminuiu significativamente a cada semana completa de gravidez e identificaram que para bebês nascidos de 26 a 32 semanas de gestação, cada semana adicional no útero reduziu o tempo subsequente de hospitalização neonatal em um mínimo de oito dias.21

No presente estudo, tanto a idade gestacional como o peso de nascimento mostraram-se, de forma independente, como fatores associados a maior duração da internação. O peso de nascimento, embora seja uma medida mais objetiva do que a idade gestacional, é influenciado por fatores que culminam com restrições de crescimento intrauterino, com forte influência das condições sociais.25 A longa duração da internação em decorrência do baixo peso de nascimento relaciona-se à própria dinâmica de ganho de peso após o nascimento. Esta se caracteriza por perda inicial de peso, seguida pela recuperação do peso de nascimento, sendo a intensidade e duração dessas duas fases inversamente relacionadas à idade gestacional, peso de nascimento e intercorrências sofridas pelo recém-nascido. Essa característica impede que o RN prematuro atinja rapidamente os parâmetros necessários para a alta hospitalar, culminando, assim, em longa permanência.

É relevante destacar ainda que o RN prematuro e/ou de baixo peso apresenta determinadas condições e está mais vulnerável a determinadas morbidades e, por isso, precisará passar por tratamentos e assistência com técnicas, invasivas ou não, uso de medicamentos para o controle da homeostasia e flebotomias frequentes para controle laboratorial e, todos esses aspectos, culminarão em maior tempo de permanência hospitalar. Em estudo realizado em Minas Gerais, os autores também encontraram que a combinação de menor peso ao nascer e menor idade gestacional ao nascimento apresentou o maior risco de permanência hospitalar, aumentada quando comparados aos demais perfis formados para outras intercorrências associadas.26

Neste estudo, embora todas as intercorrências clínicas avaliadas tenham se mostrado associadas à longa permanência nas análises bivariadas, apenas duas condições se mantiveram estatisticamente associadas à longa permanência no modelo final: a sepse tardia e a enterocolite necrosante. Ambas representam condições clínicas graves e comuns em prematuros, com elevado risco de óbito.27 O papel das infecções e distúrbios alimentares (que podem ser indícios de enterocolite necrosante) já foram observados por outros estudos.4,28 Nesse sentido, a prevenção de infecções perinatais e nosocomiais e a adoção de estratégias de alimentação adequadas e toleráveis podem ser bastante eficazes para reduzir a duração da permanência na UTIN em prematuros de baixo peso ao nascer.

A ECN, apesar dos avanços da assistência neonatal, continua a afetar aproximadamente 7% dos bebês prematuros nascidos com peso inferior a 1.500 gramas.29 Sua ocorrência se associa à hipóxia e à isquemia mesentérica, como envolvimento de fatores relacionados à alimentação enteral, flora microbiana intestinal e inflamação. Um dos primeiros eventos que levam ao desenvolvimento da ECN envolve uma resposta anormal no intestino prematuro microrganismos colonizadores. A resposta inflamatória, com lesão da mucosa e translocação bacteriana define um quadro grave, cuja recuperação envolve cuidados prolongados, justificando assim a maior permanência em UTIN.29

A sepse neonatal é uma causa frequente de morbidade e mortalidade neonatal, principalmente em países em desenvolvimento. Seu diagnóstico é difícil, pois os sinais clínicos são inespecíficos e os exames complementares têm baixa acurácia.30 A associação entre sepse tardia e DBP está presente, principalmente, naqueles casos em que a sepse se relaciona com necessidade de ventilação mecânica por tempo prolongado.

As variáveis relacionadas às morbidades neonatais que aumentam o tempo de permanência destacam a necessidade de constante vigilância em relação aos cuidados e manejo de neonatos prematuros em UTIN. A possibilidade de tratamentos ou de retratamentos para a recuperação da saúde do neonato prematuro com sepse tardia ou com ECN define uma exposição natural à longa permanência, a princípio, pelo tempo necessário de administração de antimicrobianos, com observação para a possibilidade de ocorrência de resistência aos antimicrobianos administrados e, posteriormente, pelo tempo de evolução do quadro de saúde em resposta ao tratamento adotado.30 Nesse sentido, a abordagem dos processos infecciosos neonatais ainda representa um desafio e requer permanente vigilância aos seus fatores de risco e agentes etiológicos, de modo a permitir uma melhor assistência.

Os achados deste estudo devem ser ponderados à luz de algumas limitações. Deve-se considerar que os dados se referem a neonatos sobreviventes acompanhados em um ambulatório de seguimento. Nesse sentido, dados coletados longitudinalmente a partir do nascimento seriam mais adequados para a definição da longa permanência e dos fatores associados. Também deve-se atentar para a falta de padronização na definição de longa permanência na literatura. Dados demográficos e sociais relacionados à mãe e às condições de gestação também não foram avaliados e poderiam acrescentar informações importantes aos resultados. Isso também se aplica à classificação de gravidade para as condições clínicas avaliadas, que não foram definidas durante a coleta de dados. Apesar das limitações, este estudo apresenta um panorama da morbidade hospitalar de neonatos egressos de UTIN no norte de Minas, com dados antes desconhecidos e apresenta dados inéditos sobre a longa permanência hospitalar para o grupo avaliado, ressaltando a necessidade de maior vigilância aos cuidados pré e pós-neonatais.

Em conclusão, os fatores associados à longa permanência estão, sobretudo, vinculados à interrupção precoce da gestação e aos cuidados voltados aos neonatos e destacam a necessidade de maior vigilância aos cuidados pré-natais, com acompanhamento seguro da gestação e prevenção da prematuridade, e pós neonatais, com maior cuidado à prevenção de infecções nosocomiais.


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Contribuição dos autores: Menezes MSD e Caldeira AP: idealização e coordenação do projeto de pesquisa. Rodrigues JES e Mendonça IP: coleta e análise dos dados. Todos os autores contribuíram igualmente para a revisão da análise dos dados, escrita e revisão do manuscrito, assim como aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

Disponibilidade de Dados: Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.


Recebido em 11 de Setembro de 2024
Versão final apresentada em 19 de Julho de 2025
Aprovado em 21 de Julho de 2025


Editor Associado: Karla Bomfim

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